terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Crônicas 2009

Crônicas

1° Lugar
Velho Amigo
Fernando Catelan
Mogi das Cruzes/SP


VELHO AMIGO


Um dia, quanto teus braços eram mais fortes, os emprestaste a servirem de guarida a meu caminhar titubeante pelos primeiros passos da vida, mas agora que o passar dos anos sulcou tua fronte digna com as marcas do tempo, agora que a invernia da vida lança uma nevasca sobre tua cabeça já não tão ereta, ainda tanto compareces, ao contrário do que se poderia supor, não gesticulando tuas súplicas, mas no continuar a estender tua mão amiga como a esboçares resgatar-me desta lida tão desencontrada que não atino.
Sei que, por vezes, encenas uma força de ti já esvaída, tudo para que pareças forte o bastante a fim de que tua existência, homem caridoso, seja sempre de préstimo aos teus, mas abandona um pouco tão rígida couraça, conta o que te vai nesse peito que suas mágoas só chora no anonimato das madrugadas e serei, então, mais feliz se uma vez ao menos tiver dado ouvidos a ti.
Ah, criatura nobre, altaneira, que tantos exemplos fundo calcou em minh’alma, respondes diretamente por isso que hoje sou, e se mais despojado eu das mazelas de um mau caráter, tanto em ti me espelhei, tanto ousei imitar-te no pesaroso trabalho da reforma de meu ser, um dia todo caracterizado por indisfarçável egocentrismo.
Quanto deve ter doído a ti ver-nos na contramão das trajetórias, tu tão compenetrado na devoção ao próximo, ao passo que eu ninguém além de mim mesmo neste imenso mundo enxergava, mas eis que o que se afigurava impossível afinal se deu – eu, em que pesasse toda a minha arrogância, toda a minha imensa prepotência, fui levado a estagiar no fundo do poço, mas estavas lá, até onde fui dar te arremeteste, e quanto fizeste por dar-me a redenção!
Figura que em momento algum lograrei igualar, hoje te assisto em teu plácido existir, ajardinando os campos onde se detêm nossas vistas cansadas de tanta experimentação de flores coloridas, e vejo quão és benfazejo, quanto te movem pequenas coisas que se tornam incrivelmente maiores, pois as copiam outros de ti como vivas exemplificações!
Velho amigo, cada semente de um amanhã mais florido que plantas na terra cujo alto preço com o suor de meu rosto saldei mergulhas no âmago de meu coração ferido, que, no devido tempo, segundo tu vaticinas, haverá igualmente de desabrochar em flores tão perpetuamente vivas.
Velho amigo, foste meu maior mestre em arte acima de qualquer outra – procuraste adestrar-me no amor, e se hoje me comovo, eu antes pragmático, impassível, nos espelhos d’água entornados das órbitas de meus olhos quando choro vês refletida tua augusta imagem que o tempo, tão só esse algoz que contra meu contento conspira, debalde teus tantos méritos gasta numa velocidade que em mim infunde tanto temor de que ao cabo de mais alguns anos vás viver teu inexorável encantamento.
Maestro, quis-te pelo sempre tão logo vi que em uma confluência do tempo fizemos de nossas trajetórias opostas um só caminho, e agora que junto a ti trilho senda que vai deixando para trás o desespero tanto temo perder-te, companheiro de caminhada, ainda mais porque se hoje comigo conciliado, lanço o olhar d’alma ao ontem e no que flagrava-te errôneo tão só te diviso o gigantismo de quem se debruça sobre o trabalho hercúleo de tutelar uma vida que não lhe chegou por acaso, mas em razão de particularidades que ‘inda hoje não estou à altura de decifrar totalmente, já que se o milagre da vida aos desígnios de Deus pertence, particularidades essas em parte aclaradas, em parte revestidas dum hermetismo sempre perene, mesmo adestrando-se a criatura humana na língua dos homens e dos anjos.
Aprendi desde cedo o respeito que impunhas, mas graças dou mesmo a teus desmandos de autoritarismo, assim pude estender a obediência que te devia a tudo e a todos, dando a esse condicionamento a conotação da humildade que incessantemente exercito, tão melhor que aquela velha impetuosidade que a passos cada vez mais céleres vou deixando na poeira da estrada.
Volto às flores que hoje plantas, velho amigo, em meu imenso quintal, com a dedicação própria daquele que bem cultiva o que é seu, mas, em face desse teu tamanho desvelo em ajardinares não o teu, mas o meu quintal, sondo-te o gesto, e, se bem ronde-me funesto presságio de estares de partida e, assim, com flores pelo sempre assinalarás tua passagem, fica mesmo patente na ação singela a grandiosidade de teu amor, o quanto dele aprendeste em tua vida surrada por tantas agruras, tantos males que te fizeram, homem que enverga já sobre os ombros o peso de uma longa caminhada, e nem por isso abdica do direito a uma vida consagrada a fazer a vida de outrem mais viva.
Velho amigo, sei que lanças tuas flores sobre o solo esperançoso que Deus devolva àquela tua escudeira de sempre os bons olhos que já não tem, e, se assim insistes, é porque nem por isso abdicas do intento de que se desenhem diante das vistas de tua eterna caminheira essas cores que para ela primeiro arquitetas na fornalha de tua alma. Quiçá quem hoje, num misto de inconsciência, sequer clama que a secundes, um dia Deus enxergue às voltas com a aspereza de injustificado calvário, a livre dos calabouços de sua mente aturdida tão só porque um jardineiro preparou para suas vistas renovadas os mesmos canteiros de flores que se vê no Céu.
Velho amigo, enquanto tantos ideais foram e permanecem sendo calados pelo rugir dos canhões, semeias flores ao teu passar, deixando um rastro de saudade nas marcas indeléveis de teu caminhar pela Terra. Tu, que sempre foste jardineiro de boas palavras, encontrando as que te pareciam certas a quem quer que te bebeu os sábios conselhos, hoje parece não tão afeito aos conselhos, talvez porque tenhas combalido ante à sisudez destes tempos de agora em que os canhões não mais falam tão alto, aqui e acolá pipocam, mas ousaram chamar para si teus contemporâneos uma reticência que equipara o sementeiro de flores ao louco desvairado.
Há quanto tempo estou a teu lado, velho amigo, que me perco em minhas origens quando rememoro tudo que junto a ti vivi, e fica mesmo impossível, já a essa altura de nossas vidas, imaginar-me sem tua figura ao mesmo tempo enérgica e canda, num só momento lacônica e pródiga em manifestações de afeto, que só acresce a si nuances tão distais aquele que muito viveu, ou o que tenha vivido viveu intensamente.
Velho amigo, em tamanho desvelo te flagro sementeiro das cores futuras cá deste cantinho que a muito custo amealhei, que, por certo, dando-se teu encantamento, requisitar-te-á Deus no ofício de jardineiro do Paraíso, já que indolentes as almas que vivem por lá e mesmo ao Criador, abismado que está com a pequenez de tantas de suas criaturas, tem faltado inspiração em tornar o Céu mais belo, tarefa que não hesitará em confiar a ti, liberto da matéria e já, então, agindo na velocidade do pensamento, que és, velho amigo, um ser tão belo!
Que as flores que plantas, uma vez florescendo, possam trazer alento às minhas forças exauridas, que uma semente que cuidei de semear em ventre, tão bela hoje vinga em flor vistosa para olhos outros, que quase nunca me é dado ter com a flor que tanto amo, a flor cuja alma depositei em ventre que pensei um dia sagrado, mas ao Mal consagrado. Quem sabe, velho amigo, estejas também sinalizando a passagem pelos campos que fará floridos a essa minha filha, que, flor que é, há que se misturar então às acácias, margaridas, amores-perfeitos, begônias, tulipas, a tudo, enfim, que cá lançaste no seio da terra, unindo-se o perfume de sua alma sobranceira ao hálito com que tuas flores farão ébrios de perfume os ares.
Velho amigo, devolve-me as almas que de nosso convívio se foram fazendo das cores que vais sacando de tua abstração de sementeiro luzes cintilantes que orientem esses de nós desgarrados cá a este porto seguro. Velho amigo, sê também sementeiro de minhas ilusões, insuflando tuas flores da vida que se refaz e pondo inerte e cativa, por tal, a morte.
Velho amigo, verdadeiro sementeiro do Bem, como viver apartado de ti se as próprias convenções do mundo, ao menos por quanto vivermos, selaram nossos destinos em uma união que amadureceu como a flor, que primeiro se faz botão, para depois abrir e só depois gerar suas sementes, transpondo a morte no beijo dos pássaros? Da mesma forma se deu conosco – foi preciso que cresceste, já mais adulto amadurecesses, para, então, depositares em ventre da flor que por mais excelsa elegeste tua semente que fez de mim, meu pai, teu filho.

2° Lugar
Conto de Ossanha
Suzana Dulce Correa Fagundes
Rio de Janeiro/RJ


Conto de Ossanha


A menina não devia ter nem dois meses ainda. No colo da mãe, com a comadre do lado: inútil, inerte. O choro se ouvia longe, e eu o ouvia bem dentro dos meus ouvidos, tão alto quanto o bebê podia gritar. Era o choro de várias quadras de rua, rodeado de lojas, umas coladas nas outras, em época de Natal no Centro da cidade do Rio de Janeiro.
As lojas ostentavam, dentro e fora, milhares de bugigangas miúdas, as pessoas aglomeravam-se aos milhares, era a Rua Senhor dos Passos.
Eu havia já feito todas as minhas compras, mas algo que eu não sei dizer àquela hora, me chamou sob aquele sol de pelo menos trinta e oito graus.
Se aquela rua fosse, em vez de uma rua asfaltada, um deserto, e se aquela mãe continuasse a andar por mais dois ou três quilômetros, aquela menina recém-nascida poderia morrer de tanto chorar, de insolação ou de desidratação.
Acho que há horas que a menina não era trocada. Sua assadura devia ter atingido já as proporções de uma grande queimadura. Devia doer muito. Sua mãe lhe colocou sobre a cabeça uma fralda, para estancar o sol forte. Mas o pedaço de pano lhe cobria os olhos, não a deixava ver e deveria fazer-lhe cócegas. Ela gritava, gritava.
E eu, ali, com as mãos carregadas de compras, cheia de pacotes, os sonhos que sonhei durante pelo menos dois meses. Fiz muitas listas, eliminei muitos desejos de consumo, adiei minha ida ao Centro, à famigerada rua Buenos Aires, à rua Uruguaiana, à Sete de Setembro, à avenida Passos e a tantas outras. Eu, ali, também indefesa tal qual a criança, e, como as outras pessoas, não poderia nem sugerir nada, nem falar absolutamente nada com a mãe ou com a comadre. Aquela criança chorando era o broto de uma árvore sendo arrancado. A memória da criança estava ali mesmo gravando em alta fidelidade as impressões do que estava passando naquela tarde de sol forte.
O fato é que, desde que cheguei em casa, a visão não sai da minha mente, e o pior, do meu coração. Não imagino por que eu teria que passar por essa experiência no dia de hoje, agora, tão perto do Natal...
Porque, naquela rua de turcos, de mascates, o único vivente inocente era aquela criança se esvaindo de tanto chorar… Nada mais valia nada ali, e, o que valia menos ainda era aquela mãe que andava, andava devagar, sem se relacionar com a filha, sem lhe dizer nada.
Seu único gesto foi lhe oferecer a chupeta e dizer à comadre:
Ela não vai querer a chupeta, não.
(A menina estava era com fome).
A comadre sugere que parem ali adiante decerto para dar de mamar à criança. Mas, só depois de esperarem longamente o sinal abrir, atravessar a rua e deixar que o sol quase matasse a menina. E ela berrava e urrava.
Penso em quando fui bebê. Numa situação parecida, que comigo tenha acontecido. No fundo de mim, sinto profunda pena de todos os bebês do mundo, tão frágeis como eu tenha sido, ou o quanto já tenha chorado...
Não sei mesmo se não sou o produto de algum desleixo do meu passado, por tanto desamor, por tantas lágrimas, por tanta espera, por tanto desterro, por tanta desolação…
Está tudo bem gravado na minha memória celular ou em alguma “fita magnética” proibida de ser tocada, que, aliás, eu prefiro deixar bem salvaguardada. Esta mágoa hoje sentida, foi já o meu presente de Natal deste ano, a grande coincidência de me deparar comigo mesma, aos dois meses de idade, na rua Senhor dos Passos, já não mais a chácara onde nasci, tão longe daqui.



3° Lugar
Macro ou Micro?
Rita Bernadete Sampaio Velosa
Américo Brasiliense/SP



MACRO OU MICRO?

Não sei onde vou chegar com tudo isso. Mas, com certeza concluirei com: não existe nada mais pavoroso e maravilhoso do que a vida humana! Pavoroso, por que já vem com prazo de validade; e, maravilhoso, porque traz consigo o sonho de todo ser humano: a eternidade.
Se fomos criados á imagem e semelhança de Deus, então não vejo o porquê de não podemos ser eternos também. Lógico seria pensar que fomos criados para vivermos eternamente, assim como ele. Mas daí, poderíamos nos perguntar: Deus é eterno? O universo é eterno?
O ser humano desenvolveu a teoria do “big-bang”, ou seja, da explosão inicial que criou o universo. Mas, se houve um “big-bang”, quem, ou o quê o provocou?
Então já havia outro agente anterior ao “big-bang”! E isso, que hoje conhecemos como Universo, seria talvez, um microcosmo, dentro de outro, dentro de outro, dentro de outro... chamado, talvez, Infinito?
Para nós, presos a conceitos de tempo, espaço e matéria, fica realmente impossível entendermos o que seja Deus, Universo ou Infinito.
Pensei nessas coisas enquanto olhava para uma formiguinha, subindo pela parede da sala. Ela não tinha nenhuma consciência de que estava subindo, pois para ela a dimensão do espaço era outra. Se eu tentasse subir por aquela parede, certamente me esborracharia. Ela também não tinha consciência de minha presença, devido ao meu tamanho em relação a ela. Eu era seu macrocosmo e ela meu microcosmo.
Então pensei: os cientistas dizem que o Universo está se expandindo ainda mais ;e que irá se contrair e finalmente formar uma nova massa crítica ,que provocará um novo “big-bang”, que criará novos mundos com vidas neles. Bem, meus conhecimentos de Física e de Matemática , rudimentares, me impedem de calcular a quantidade de tempo que seria necessária para que isso acontecesse. Aliás, duvido que alguém já tenha conseguido fazer esse cálculo com um mínimo de credibilidade.
Então, só nos resta a imaginação. E então vi o nosso planeta Terra como um glóbulo na corrente sangüínea de um ser macrocósmico e o Universo em expansão e contração, como um pulsar de um coração humano. Esse pulsar do Universo seria semelhante ao nosso.
Pensei nos buracos negros como veias e artérias, que conduziriam a nós e aos nossos mundos para ,simplesmente, outros órgãos ou sistemas. Assim, poderíamos perfeitamente sermos partes do corpo de quem chamamos de Deus.
Mas nós, seres humanos, seríamos microrganismos que desobedeceram ao comando central (pecado original,-a historinha da maça-) e que com isso perdemos a eternidade e a saúde, nos tornando um tipo de organismo com prazo de extinção e que por isso mesmo ,só consegue permanecer vivo através da reprodução ,com o nascimento de novos indivíduos. Nisso vejo também uma fórmula bastante semelhante à do Universo como um todo. Ele também se renova, em outra escala de tempo para permanecer eterno através dos big-bangs.
Teríamos o mesmo mecanismo de eternização, para o macro e para o micro?



Menção Honrosa
Calcanhar de Aquiles
Álvaro Luiz Carvalho da Cunha
Rio de Janeiro/RJ

CALCANHAR DE AQUILES

Deixe-me tocar em seu coração, deixe-me bater à sua porta... Não sou um estranho ao qual rejeitas e desconheces, mas sou alguém tão igual a você que também busca as respostas deste nosso louco viver. Também faço diversos tratamentos, desde os médicos até os espirituais, pois, minha vida é um eterno turbilhão de emoções e de contradições . Mas, é claro que sofro, se não sofresse, sequer estaria aqui escrevendo, preciso escrever para desabafar , uma vez que, a prisão da solidão me angustia e me faz desmoronar. Falo tudo isto é no sentido de que saibas que ninguém nesta vida terrena é perfeito, ninguém está acima do bem e do mal, todos nós fedemos, não acredita ? Fica um dia de sua vida sem tomar um bom banho ou fazer a sua higiene pessoal. Por isso que o orgulho e a soberba são tão insignificantes que nem devemos perder o nosso tempo com bobagens assim e também não tenho piedade daqueles que assim são, isto porque, acredito que somos responsáveis pelos nossos atos e cada qual recebe da vida o que dá a ela em troca. Pode alguém também me provocar e perguntar : “ Como alguém como você, que vai da euforia a melancolia em segundos pode aconselhar alguém ?”
E eu posso me calar e nada responder , pois, não dizem que os verdadeiros sábios são aqueles que nada falam ? Mas, não, prefiro escrever, assim me manifesto, exerço a minha dignidade, me exponho e mostro as pessoas que não há uma fórmula perfeita de felicidade ou de alguém feliz, próspero, bem sucedido ou inatingível. Todos nós temos o nosso calcanhar de Aquiles e o que devemos fazer é evitar simplesmente que nos atinjam em nosso calcanhar de Aquiles.
Simples, não ? Não, não é nada simples, mas, quer um conselho ? Esqueça o meu conselho e procure cuidar-se espiritualmente, ouvir somente a sua voz interior, a sua razão que é a sua intuição, sem medo de desagradar quem quer que seja, pois, nosso caminho é somente nosso e se não o caminharmos ninguém irá caminhar por nós.
Quer um exemplo de como somos sozinhos conosco mesmos ? Quando ficamos internados ou em observação em um hospital , deitado em uma maca ou em um leito, estamos ou não sozinhos diante da multidão? O mundo simplesmente continua a girar lá fora, as pessoas vão e vem , a Bolsa de valores continua a comercializar suas ações e os políticos continuam com suas bobagens efêmeras, tão efêmeras como eles,e, nós, continuamos deitados esperando pela alta que não chega. Ah! Como tempo custa a passar e o quanto nos sentimos inúteis, um nada, como dizia a minha bisavó paterna, uma ameba do cocô do cavalo do bandido. Viu, como o nosso caminhar é somente nosso, pois, nem mesmo o seu pastor deixou de cobrar o seu dízimo fiel e necessário para a manutenção de suas obras sociais e da oferta ao seu Deus. Como se Deus precisasse de capital para perdoar alguém, se ele sequer se ofende, pois, quem se ofende é quem é mortal, vaidoso e orgulhoso em sua tola soberba. Então, faça como eu, extravase os seus sentimentos, sem medo de chocar ou de se chocar, no máximo vão lhe arrumar uma vaga em algum manicômio ou lhe crucificar como fizeram com Jesus, pois, o sistema não perdoa, ele é fatal e inquisidor. Mas, se tiver um pouco de sorte, talvez consiga um auxílio-doença no INSS como neurótico , já é um bom caminho, assim se alia ao sistema e se transforma em um transtornado obsessivo compulsivo controlado por remédios tarjas pretas e ainda remunerado .
Que tal ? É uma boa dica ? então aproveite e faça um bom uso dela, mas, não deixem que atinjam o seu calcanhar de Aquiles, pois, ele é só seu e o seu eixo central.


Menção Honrosa
Morbidez
Eduardo de Paula Nascimento
Franca/SP


Morbidez

Foi simples e rápido. Uma dor forte no abdômen e lá estava eu estirado no chão, morto. Depois a escuridão plena. Agora meus ombros se apertam contra o caixão. Será que o plano máster do convênio funerário oferecia um conforto melhor?
Alguém põe as mãos sobre as minhas. Sinto sua respiração ofegante. Será minha esposa? Não, ela deve estar preocupada demais com as “visitas”, verificando se há café nas garrafas. Uma lágrima cai em minha face deixando-me um sabor indescritível de despedida. Só poderia ser Lucimar!
Carregam-me agora para o cemitério. Quem estaria às alças do caixão? Na frente, com certeza, vai meu irmão de um lado e o compadre Américo do outro, grande companheiro de noitadas. Atrás, difícil adivinhar quem estaria do lado direito, todavia, do esquerdo, tenho certeza que era meu genro pois senti por duas ou três vezes que o caixão falseava daquele lado, vagabundo! Chegaram e logo lacraram o túmulo para que meu corpo apodrecesse em paz.
O silêncio agora era realmente pleno, a escuridão total. Aos poucos um vislumbre de luz começa a clarear a escuridão. Quero ser resgatado dessa sensação de morbidez. Quero ser recebido por meus entes queridos, me explicando como tudo ali “funciona”.
Aos poucos começo a enxergar. Vejo alguns vultos passando sobre minha cabeça. Seriam anjos? Pouco depois identifiquei-os. Eram corvos, dezenas deles que, assim que observaram que eu os avistei, voaram em minha direção, me atacando com garras e bicos e dilacerando minha pele. Subitamente cessaram o ataque e a impressão que tive é de que fugiam de algo.
Ainda ensangüentado vejo uma grande sombra, que toma aos poucos uma aparência quase humana, aproximando-se de mim e que, sem maiores cerimônias, saúda-me sarcasticamente:
“Bem vindo ao inferno”.

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