quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Resultados 2009

Resultado do V Concurso Literário Maracajá
Ano Internacional da Astronomia


Contos

1° Lugar
Maunder Minimum
Eduardo de Paula Nascimento
Franca/SP

2° Lugar
Alnitak
Roberto Corrêa da Silva
Pedro Leopoldo/ MG

3° Lugar
Além da era do Micro ship
Márcia Regina De Araujo Duarte
Rio de Janeiro/RJ

Menção Honrosa
Dissertação sobre um Juiz
Suzana Dulce Correa Fagundes
Rio de Janeiro/RJ

Menção Honrosa
Escriba – O Portal Secreto
Rita Bernadete Sampaio Velosa
Américo Brasiliense/SP

Crônicas

1° Lugar
Velho Amigo
Fernando Catelan
Mogi das Cruzes/SP

2° Lugar
Conto de Ossanha
Suzana Dulce Correa Fagundes
Rio de Janeiro/RJ

3° Lugar
Macro ou Micro?
Rita Bernadete Sampaio Velosa
Américo Brasiliense/SP

Menção Honrosa
Calcanhar de Aquiles
Álvaro Luiz Carvalho da Cunha
Rio de Janeiro/RJ

Menção Honrosa
Morbidez
Eduardo de Paula Nascimento
Franca/SP


Poesias

1° Lugar
Aos que se foram
Eduardo de Paula Nascimento
Franca/SP

2° Lugar
Amor e Criação
Márcia Regina De Araujo Duarte
Rio de Janeiro/RJ

3° Lugar
Inda cá estás
Fernando Catelan
Mogi das Cruzes-SP

Menção Honrosa
Liberdade
Suzana Dulce Correa Fagundes
Rio de Janeiro/RJ

Menção Honrosa
Meu Tempo
João Ximenes
Rio de Janeiro/RJ

Contos 2009

Contos
1° Lugar
Maunder Minimum
Eduardo de Paula Nascimento
Franca/SP


Maunder Minimum – Ameaça sub zero

Roger era um garoto carioca cujos pais sempre incentivaram o dom científico. A mãe era psicóloga e o pai executivo. Não eram muito carinhosos, mas eram extremamente presentes.
Quando adolescente Roger navegava pela internet em uma busca desenfreada por conhecimento científico. Durante uma das noites em que estava conectado, sentiu um leve aumento da luminosidade da tela de seu computador e, em seguida, uma pane elétrica generalizada. Acreditou ser momentânea e regional, porém assustou-se com a vastidão negra que avistou quando aproximou-se da janela de seu apartamento. Foram aproximadamente cinco horas de black out completo até que todos os sistemas se restabelecessem.
A explicação oficial ocorreu somente na tarde seguinte quando toda a mídia retransmitiu uma nota oficial da NASA comunicando o registro da maior ejeção de massa coronal - EMC solar que a agência havia registrado desde o início das medições.
Fascinado pela demonstração de poder do astro rei, navegou por vários dias procurando informações sobre a estrela central de nosso sistema planetário.
_ Sabia, pai, que daqui a uns cinco bilhões de anos o sol vai ter consumido todo seu hidrogênio e todos na terra morrerão?
_ E o que nós temos a ver com isso filho?
_ Todos podem morrer, oras.
_ E você está achando que vai viver cinco bilhões de anos pra ter esta certeza? _ Acho que é melhor você se preocupar mais com seus deveres de casa do que com fantasias Roger. Suas notas de português e sociologia não estão nada boas. Alertava sua mãe, aproveitando as oportunidades para induzir equilíbrio ao filho.
Roger direcionou seus estudos às ciências exatas e foi o segundo colocado no vestibular da Universidade de São Paulo para onde mudou-se, ocupando um dos apartamentos internos do campus da universidade. Na véspera do início das aulas, quando entrou pela primeira vez em seu quarto no campus, assustou-se ao se deparar com uma cena no mínimo estranha. Um outro jovem encontrava-se na janela do quarto com os cotovelos no parapeito segurando um binóculo. Seria uma cena normal se este “ser” não estivesse trajando apenas uma camiseta preta, estando seu traseiro, branco como os altos cirros do outono carioca, totalmente à mostra.
Sentou-se na cama e correu os olhos pelo quarto.
_ Minha mãe deveria ver isso. Pensou consigo. Isso sim é uma bagunça.
O lado esquerdo do quarto, onde o colega havia se alojado, era uma espécie de mistura de rock psicodélico e “Star Treck”. Alguns menos informados e que não conheciam os antigos seriados ou as ultrapassadas bandas de rock diriam que Ozzy Osbourne era um dos tripulantes da Enterprise, dada a mistura alucinante de gravuras fixadas na parede.
Porém, por traz de toda aquela bagunça, algo chamou a atenção de Roger. Havia um notebook, exibindo imagens com resolução até então nunca vista por ele. Centralizava uma estrela que, sem dúvidas, não era o nosso sol. A tonalidade avermelhada diferenciava totalmente aquele astro magnífico.
A imagem parecia seduzir os olhos Roger como os cantos das sereias aos ouvidos de Odisseu. Ele simplesmente não conseguia desviar os olhos da tela.
_ É Aldebaran, on-line. Disse o colega.
_ Quem? Perguntou Roger, saindo de seu transe.
_ Aldebaran! Repetiu. A gigante vermelha de Taurus. Nunca ouviu falar?
_ Não, só conheço um pouco do nosso sol mesmo.
_ Pois então, Aldebaran é o nosso sol no futuro. Neste momento deixou a janela e virou-se para dentro do quarto. Você deve estar pensando que sou maluco certo? Todos pensam. O último colega que ocupou esta cama ai chegou a correr de mim no primeiro dia em que entrou neste quarto. Não sei se foi pela bagunça do quarto ou pelo reflexo da minha bunda, mas até que você suportou bem o primeiro impacto. E, dizendo isso, pegou a calça que estava na cabeceira da cama e começou a vesti-la.
De fato Roger não havia se incomodado tanto assim com a excentricidade do colega. Talvez o equilíbrio tão valorizado por sua mãe o tivesse tornado mais tolerante.
_ Mas ainda não me apresentei. Sou Alex Baptista, quarto semestre de astronomia.
_ Sou Roger Born, seu humilde calouro.
_ Gostei de você, moleque. Mas não gostei do jeito que você encarou minha amante na tela do micro. Toma cuidado porque sou ciumento hein!
_ Fica “sussa”! Meu negócio é o sol mesmo, mas nem por isso posso deixar de comentar que sua amiga ai é bem atraente. E riram juntos.
Era realmente o começo de uma amizade franca e duradoura entre o equilíbrio e a excentricidade, entre a benevolência e a carência, entre o sol e Aldebaran, entre Roger e Alex.
O primeiro dia de aula Roger surpreendeu-se com a quantidade de teoria apresentada. Marcou-lhe também o encontro inusitado com o primeiro colocado no vestibular daquela turma. Era Igor Meirelles, um lourinho sardento, de ascendência germânica, possuidor de uma necessidade tão gritante de auto-afirmação que parecia sair-lhe pelos poros e foi realmente do nada que esta criatura apareceu à frente de Roger:
_ Então foi você o segundo colocado? Perguntou.
_ Sim, muito prazer, Roger Born, seu nome é?
_ Igor Meirelles, fui o primeiro colocado no vestibular. Acrescentava-se agora uma boa pitada de arrogância naquela voz.
_ Parabéns, de fato é um mérito. Ainda mais para um vestibular tão concorrido. Mas, Igor, você vai ter que me desculpar, um amigo do segundo ano está me aguardando para me apresentar ao bandejão do restaurante universitário.
_ Então já fez amizades com o pessoal do segundo ano?
_ Na verdade é meu colega de quarto. Alex Baptista.
_ Já ouvi falar dele, é o que o pessoal chama de louco, não é?
_ Bem, ele pode até ser meio excêntrico, mas está longe de ser louco.
_ Dizem que ele não se relaciona com os outros colegas e que nem mostra suas notas. Talvez tenha vergonha do fracasso. Todos comentam ainda que ninguém consegue morar mais de uma semana com ele. Isso não te dá medo?
_ De forma alguma, pelo menos até agora estamos nos dando muito bem.
_ Bom, diga-me com quem tu andas... Sabe, eu esperava mais de você.
_ Bem, Igor, peço realmente desculpas, mas tenho que ir mesmo. Virou as costas e saiu, deixando Igor perplexo e estático.
Passaram-se quatro meses e o primeiro semestre já estava chegando ao final. A semana de exames se aproximava e Roger continuava dividindo quarto com Alex que se tornou um amigo leal. Era como se dividissem fascínios. Alex pelas gigantes vermelhas e Roger pelo sol.
Todavia, se por um lado as imagens do cosmo o incentivavam, a teoria entediava Roger. Não entendia o motivo de estudar-se tanto cálculo e álgebra.
_ É ai que você se engana. Contestava Alex em um dos dias em que Roger reclamava. Vou mostrar-lhe um pequeno exemplo da importância dos cálculos dentro de nossa área. Você já ouviu falar do diagrama de Hertzsprung-Russell?
_ Hertz? Tem alguma coisa a ver com freqüência? Chutou Roger.
_ Claro que não seu idiota, nunca tente mostrar que sabe alguma coisa se de fato não sabe, entendeu? Tem a ver com o tamanho e a luminosidade das estrelas. Vou tentar te explicar.
O que se seguiram foram aproximadamente duas horas de explicações. Alex mostrava os cálculos com uma propriedade fantástica. Roger escutava simplesmente atônito e a partir deste momento se apaixonou pelo curso como um todo. Conseguira unir, enfim, a necessidade da teoria à realização do sonho por conhecimento. O tempo passou mais rápido a partir de então e logo chegou a formatura da turma de Alex. Claro, Roger foi o primeiro convidado.
O espanto da turma foi estupendo quando anunciaram a menção honrosa ao aluno que obteve as maiores notas entre os formandos.
_ Alex Baptista! Conclamou o mestre de cerimônias.
Os aplausos surgiram tímidos entre as expressões de espanto de todos os colegas. E o que mais impressionou foi o anúncio feito pelo reitor da universidade de que, até então, nenhum aluno havia conseguido nota máxima em todas as disciplinas cursadas. O aluno Alex Baptista foi o primeiro.
Alex foi requisitado, pela excelência com a qual se graduou, por diversas universidades internacionais e escolheu aquela que lhe proporcionaria maior proximidade com o European Southern Observatory – ESO, no Chile.
Roger continuou seus estudos e era reconhecido pelos colegas, com exceção de Igor, como o aluno mais completo da turma. Não recebeu o prêmio por suas notas pois esta era realmente a meta absoluta de Igor que, mesmo sem a compreensão total do que estudava, decorava imensas pilhas de livros e, através disso conseguiu a premiação tão sonhada.
_ Sou mesmo o melhor. Sussurrou ao ouvido de Roger enquanto se levantava para receber o prêmio. Conseguiu, por deste feito, uma bolsa completa em cosmologia na Universidade da Califórnia.
Roger também graduou-se com louvor e seguiu com o mestrado e doutorado em astrofísica e pós doutorado em física nuclear direcionada ao comportamento das partículas elementares ao nível de microcosmo.
Convidado a desenvolver suas pesquisas no Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear - CERN, localizado nos arredores de Genebra, Suíça, dedicou os dez primeiros anos de sua carreira na tentativa de reproduzir os efeitos dos ventos solares sobre a atmosfera terrestre através da combinação exata entre prótons, elétrons e neutrinos em aceleradores de partículas.
Logo que foi para o CERN conheceu Jaqueline Ramos, uma espanhola de olhos negros escondidos sob seus óculos e de cabelos castanhos e lisos que insistia em ostentar amarrados, como se quisesse, propositadamente esconder sua beleza. Foi certamente pela mente criativa e pela inteligência emocional de Jaqueline que Roger se apaixonou. Logo dividiram os créditos de uma pesquisa inovadora e não demorou para que dividissem também a mesma cama.
Depois de mais de dez anos de trabalho exaustivo, a sugestão de Jaque soou como música para seus ouvidos:
_ Tanto tempo trancados dentro daquele laboratório acelerando partículas e tentando imitar a natureza e nunca fomos conhecer de perto o original. Por que não comemorar nosso décimo ano juntos sob a aurora boreal verdadeira?
_ Você realmente seria capaz de me dar este presente? Perguntou Roger entusiasmado, enquanto caminhava em direção ao notebook para pesquisar o local de maior probabilidade de assistirem ao fenômeno mais fantástico da atmosfera terrestre.
O anúncio do hotel, garantindo oitenta por cento de possibilidade de assistir ao espetáculo boreal em uma estadia de apenas três dias e a posição estratégica de Fairbanks, Alaska, era uma combinação ao menos tentadora. Chegaram na data sugerida pelo gerente do Hotel.
A expectativa do esplendor verde amarelado que iluminava o céu do Alaska suplantava o frio intenso daquela noite. Era a primeira noite de Roger e Jaque em Fairbanks e a expectativa, claro, era monstruosa. Permaneceram com o grupo de turistas às margens do Rio Chena por toda a noite e, após o raiar do sol, retiraram-se decepcionados pois a aurora não se mostrou.
_ Bem, eles não disseram cem por cento. Além disso, ainda temos mais duas noites. Comentou Roger esperançoso. Voltaram na noite seguinte e o drama se repetiu.
Na terceira noite mais uma decepção. Nada de aurora boreal. O fato incomodava não só os turistas, mas principalmente os donos dos hotéis. O que havia acontecido nas últimas noites não era comum. Por isso, estenderam gratuitamente a estadia por mais uma noite.
_ É hoje, tenho certeza! Dessa vez Roger torceu apenas consigo mesmo.
Já se passava das quatro da manhã e as esperanças já estavam se congelando juntamente com as mãos dos espectadores quando a voz de um monitor bradou: “Vejam, começou”.
Foi quando todos olharam para o alto e viram o início de um espetáculo deslumbrante. Pequenos filamentos de um vermelho intenso começaram a surgir no céu como se alguém delicadamente pincelasse uma obra de arte sobre uma aquarela infinita.
Em poucos minutos o céu encontrava-se tomado por aqueles filamentos púrpuros. Era de fato um espetáculo da natureza.
Jaqueline notou uma expressão preocupada nos olhos de Roger.
_ O que houve? Você parece decepcionado. Não era o que você esperava?
_ É fantástico. Verdadeiramente lindo. Mais ainda do que eu esperava.
_ E o que o preocupa então?
_ Era para ser esverdeada, e não completamente púrpura assim. Há sem dúvidas algo errado. As colisões deveriam deixar os elétrons excitados e o retorno ao estado normal deveria emitir um fóton com ondas de comprimento correspondente à luz esverdeada.
_ Por favor, deixe disso, pelo menos aqui você deveria relaxar um pouco, esquecer tanta teoria e aproveitar o espetáculo. Sugeriu Jaqueline e foi o que fizeram.
Depois de duas horas de deslumbramento estavam de volta ao hotel e começavam a arrumar as malas para o retorno quando bateram na porta do chalé que ocupavam. Era um dos funcionários do hotel.
_ Acabamos de receber um aviso de tempestade de neve. Todos os serviços serão interrompidos provisoriamente e todos os vôos foram cancelados.
_ Mas tempestades de neve não são comuns nesta época do ano. Afirmou Jaqueline, como se quisesse na verdade esclarecimentos.
_ A senhora tem razão. Na verdade há uma série de acontecimentos que não são comuns e que estão ocorrendo nos últimos dias, não somente em Fairbanks, mas em todo o mundo. Vocês não têm acompanhado os noticiários?
De fato combinaram que não iriam sequer abrir os e-mails enquanto estivessem em Fairbanks e ficariam desligados do mundo naqueles dias.
_ Meu Deus! Está acontecendo!
Jaqueline virou-se para dentro do quarto ao ouvir a expressão de Roger e viu que ele já estava com o notebook aberto sobre a escrivaninha do quarto.
_ O que está acontecendo?
_ O começo do fim!
_ O que? Fale logo! Você está me assustando.
_ Veja, os noticiários estão informando queda de temperatura em todo o globo terrestre, não somente nos pólos, mas também em toda zona tropical.
_ E o que isso quer dizer? Pare de me assustar, diga logo.
_ O sol está morrendo! É por isso que a aurora estava púrpura ao invés de esverdeada.
Embora Jaqueline insistisse, Roger calou-se enquanto tentava uma conexão de voz e imagem com o CERN. Conseguiu na terceira tentativa.
_ Onde você se meteu, estávamos todos desesperados à sua procura. Foram estas as palavras amigáveis de bom dia que o diretor do conselho proferiu ao ver Roger on-line.
_ É que.
_ Não interessa, preciso de vocês imediatamente aqui.
_ Impossível senhor, os aeroportos estão bloqueados. Informou Roger.
_ Me passe a localização que mandarei buscá-los. As forças armadas estão a nossa disposição e trarão vocês até aqui.
Em menos de duas horas um helicóptero da força aérea americana pousava próximo ao hotel. E, em menos de seis horas estavam na sala de reunião do CERN.
_ Roger, houve uma mudança radical no comportamento das emissões de massas coronais nos últimos cinco dias. Conseguimos detectar e medir com precisão todas as mudanças, porém não sabemos o que pode ter causado este comportamento. Dizia o diretor.
_ Preciso de todos os dados e pelo menos um dia para analisá-los.
_ Os dados já estão em seu terminal e você tem cinco horas para voltar a esta sala com uma explicação.
Cinco horas e meia depois, entraram novamente na sala de reuniões onde eram ansiosamente esperados. Um silêncio quase mórbido ocupou a sala quando Roger anunciou que os dados preliminares eram extremamente pessimistas.
_ Todas as sondas detectaram diminuição da velocidade dos ventos solares, indicando redução efetiva da intensidade das explosões. Comparei as ejeções às projetadas pelo ciclo de solar de Schwabe e não há nenhuma correspondência, ou seja, trata-se de um evento totalmente novo e sem precedentes, comparável somente com um período de calmaria do sol que durou setenta anos e ficou conhecido como Maunder Minimum, uma mini era do gelo. Detectamos ainda um aumento constante de átomos de carbono nas ejeções de massa coronal o que indica perda de massa real do sol acima do comum e explica a aurora boreal púrpura que presenciamos.
_ Roger, por favor, tente ser mais objetivo. Suplicou o diretor.
_ Bem, baseado nos dados disponíveis eu diria que nosso sol está se transformando em uma gigante vermelha.
_ E o que isso que dizer exatamente? Quem perguntava agora era Jaqueline, que não estava familiarizada com os termos astronômicos.
_ Que houve uma inversão na fusão nuclear. A reação no núcleo do sol transforma quatro prótons de hidrogênio numa partícula alfa ou núcleo de hélio, liberando energia. A equação de Einstein, E=mc2, explica como isso ocorre. A ínfima diferença de massa que existe entre quatro núcleos de hidrogênio e um núcleo de hélio se transforma nessa enorme quantidade de energia. O que parece estar ocorrendo agora é uma diminuição da fusão nuclear e, na tentativa de compensar essa redução, os átomos de hélio passam a reagir entre si, proporcionando o aparecimento de átomos de carbono o que explicaria a maior quantidade deste elemento detectada pelas sondas.
_ E quais seriam as conseqüências? Perguntou o diretor.
_ A destruição de nosso planeta e de outros do sistema solar. Porém, há algo que não se encaixa. As reações deveriam estar aumentando a temperatura da estrela, e não foi isso que detectamos. Ou seja, sei com certeza o que está acontecendo a nível de reações nucleares, porém não posso explicar com precisão o comportamento dessas reações.
_ E há alguém que possa? Perguntou o diretor.
_ Se há alguém no mundo que possa esclarecer com o que estamos lidando é Alex Baptista. Astrônomo que, embora praticamente indigente, é quem mais conhece do comportamento de gigantes vermelhas.
Na manhã seguinte, Alex já estava no CERN e, após o abraço caloroso do amigo, perguntou:
_ Está acontecendo, não está?
_ Todos os dados indicam que sim. Respondeu Roger.
_ Eu tentei avisar mas ninguém me deu ouvidos, continuaram me chamando de louco. Esbravejou Alex.
_ Mas avisar como, seria impossível prever o que está acontecendo.
_ Precisamente sim, mas certamente haveria alguma conseqüência da destruição do arsenal nuclear mundial, principalmente da forma como foi feita.
De fato, há alguns anos atrás, com a queda dos últimos ditadores, os pacifistas passaram a insistir na eliminação completa dos arsenais nucleares mundiais. Afinal, as nações que detinham as maiores quantidades de ogivas eram exatamente aquelas que lideravam a nova ordem mundial. Não suportando as pressões, todas as nações decidiram destruir seus arsenais atômicos.
Em função do risco, Igor Meirelles, sim, ele mesmo, que agora era então o astrônomo chefe da comissão intercontinental para destruição de armas nucleares, definiu que todas as ogivas fossem direcionadas conjuntamente ao sol onde seriam destruídas sem nenhum perigo ao nosso planeta. Como era de seu costume, não consultou nenhum especialista em reações atômicas e as conseqüências não foram totalmente projetadas.
_ Quando soube da insensatez daquele seu colega idiota eu encaminhei um estudo completo à ONU que foi totalmente ignorado. Lamentava Alex.
_ E, no estudo, você projetava os atuais efeitos, como o resfriamento ao invés do aquecimento.
_ Na verdade o que está ocorrendo é uma reação, por enquanto, a nível de coroa solar. O doutor Igor não levou em consideração que praticamente todas as ogivas nucleares em estoque no mundo eram dispositivos de fissão e não de fusão.
_ E o que isso pode ter interferido? Perguntou Roger.
_ O que acontece quando explodimos um artefato nuclear de fissão? Perguntou Alex, procurando direcionar o raciocínio de Roger.
_ Os núcleos atômicos de urânio ou plutônio são desintegrados em elementos mais leves, neutrôns principalmente, que bombardeiam outros núcleos que também se desintegram produzindo outros nêutrons e assim sucessivamente em uma reação sequencial. Neste momento Roger começou a entender onde o amigo queria chegar.
_ E é exatamente isto que está acontecendo neste momento na coroa solar. As ogivas nucleares de fissão, ao explodirem conjuntamente em sua extremidade, desencadearam uma reação sequencial e crescente que vem desintegrando os átomos de hélio. Em resumo, conseguimos reproduzir artificialmente, de fora para dentro, o processo de formação de uma gigante vermelha, o que, digamos de passagem, é fantástico, não fosse estar adiantado uns cinco bilhões de anos.
_ Isso não é hora para brincadeiras Doutor Alex. Interrompeu o diretor. Precisamos saber o que ocorrerá daqui para frente.
_ Bem, enquanto a reação estiver a nível de coroa solar, a formação de átomos pesados funcionará como um filtro bloqueador de luz e radiação. Assim a tendência de resfriamento continuará por um período ainda indeterminado, provocando uma nova era do gelo. Com a chegada das reações no núcleo, é muito provável que haverá um aumento gradativo de temperatura e de tamanho do sol. A expansão deverá ocorrer até as imediações de Júpiter, exterminando tudo que estiver no caminho, inclusive a terra.
_ Quer dizer que seremos destruídos? Perguntou Jaqueline, espantada.
_ Seríamos de qualquer forma daqui a cinco bilhões de anos, o Doutor Igor só nos fez o favor de adiantar o processo. Ironizou Alex.
Roger mantinha-se quieto e pensativo, como se todas aquelas reações continuassem dentro de seu cérebro.
_ Acho que podemos reverter este quadro. Sussurou Roger para o diretor, pedindo mais algumas horas de prazo.
Depois de algumas horas, pediu para que fossem convocados, em vídeo conferência, os principais líderes mundiais.
Quando voltou para a sala de reuniões o mundo o aguardava. Direcionou suas palavras ao presidente da Assembléia Geral da ONU.
_ Senhor presidente, como todos sabem a situação é extremamente grave. Porém pode haver uma possibilidade que precisa ser considerada. Todos ouviram as explicações do doutor Alex Baptista que mostrou que a destruição das ogivas nucleares de fissão foram responsáveis por desencadear reações indesejáveis na coroa solar. Contudo, pelos meus conhecimentos em partículas nucleares e sub-nucleares, acredito que o desencadeamento de uma reação inversa no mesmo ponto onde iniciou-se a primeira, provocaria uma retomada sequencial da reação de fusão nuclear. Há, porém, um grande problema. O doutor Alex calcula que a reação de fissão pode chegar ao núcleo do sol em menos de dois meses. Considerando que qualquer projétil lançado em direção ao sol levaria pelo menos quarenta dias para atingir a coroa solar, teríamos menos de vinte dias para construir bombas de fusão nuclear o que seria impossível. Assim, a resposta para a pergunta que farei agora poderá salvar nosso planeta. Há ainda, em qualquer país que seja, alguma ogiva nuclear de fusão que não foi destruída?
Percebia-se uma barulho de conversas pararelas entre os líderes. O presidente da assembléia solicitou que fossem interrompidas todas as conexões externas e que faria um pronunciamento oficial o mais rápido possível.
Em menos de meia hora havia um comunicado oficial da ONU sobre a mesa do diretor do CERN, informando que pelo menos treze ogivas nuleares de hidrogênio já encontravam-se a sua disposição.
Era estranho, mas aquela informação parecia não ter causado surpresa. Era como se, no fundo, todos soubessem que o desarmamento mundial nunca havia saido do discurso político.
Feitos os preparativos necessários, as ogivas foram lançadas sete dias após o pronunciamento da ONU. Restava ao mundo aguardar esperançoso pelo resultado das novas explosões nucleares...
Fairbanks, Alaska, outubro de 2042.
_ Sabe que, até agora não consigo acreditar que o mundo foi salvo pela falta de palavra de seus líderes. Dizia desdenhosa Jaqueline, com a cabeça encostada no peito de Roger, na madrugada fria às margens do Rio Chena.
_ Nunca foi tão bom saber que não podemos confiar neles. Completou Roger.
E os dois sorriram enquanto apreciavam o espetáculo verde azulado da aurora boreal que coloria o céu estrelado de Fairbanks.



2° Lugar
Alnitak
Roberto Corrêa da Silva
Pedro Leopoldo/ MG

Alnitak I

Quebrando o silêncio quase absoluto do lugar, somente aquele leve e suave zumbido, como uma verdadeira droga sonífera sonora, vindo de longe, sabe-se lá o quê, sabe-se lá porque, sabe-se lá de onde. Parecia um pequeno motor, uma turbina talvez, algo que girava constantemente: uma maquininha fazendo funcionar alguma coisa. Estava deitando, ou levitando, sobre uma espécie de cama, que podia ser também uma grande poltrona, bastante confortável e aconchegante, e a torpeza do corpo denunciava um agradável estado de repouso. Talvez estivesse dormindo, sonhando, delirando. Uma estranha e benfazeja sensação de inconsciência, mas não de todo, melhor dizer de semiconsciência, pois permanecia um certo sentido de prontidão, de plantão, em alerta geral, tomando conta de tudo e procurando, incessante e inutilmente, até onde a vista alcançava, referenciais familiares naquele absurdo ambiente.

Olhando bem, aquilo até que parecia com uma cabine de avião, mas, com certeza, absolutamente, não era, de jeito nenhum! Um certo desconcertante, desnorteante e arrepiante sentimento, que brotava gelidamente do estomago, alardeava alarmantemente que a coisa era muito mais do que um simples Boeing. Algumas luzinhas aqui e ali, alguns botões lá e cá, era só o que poderia ser tomado, remotamente, como equipamentos de um jato comercial. Mas certas inscrições, parecendo letrinhas ou números – se é que realmente eram isso –, não guardavam qualquer semelhança com nenhum idioma conhecido sobre a face da Terra, em todos os tempos, desde que o homem primitivo se flagrou pichando cavernas. Além disso, êle pôde facilmente verificar, como prova definitiva de que estava num local totalmente inusitado, que aquele salão era demasiadamente circular e avantajado (mais ou menos 50 metros de diâmetro) para ser uma cabine de avião. E pensava assim porque agora tinha plena certeza que aquilo voava, a grande velocidade e à noite, como acusavam as estrelinhas que passavam riscando o céu que se via pelas longas janelas horizontais localizadas nas laterais. Teve tempo ainda de perceber que talvez não viajasse sozinho, pois havia muitas outras proltronas-camas como a dele espalhadas pelo recinto. Só não conseguiu distinguir se estavam ocupadas ou não, porque todas tinham a mesma cobertura, algo como um semicilindro metálico e transparente, cheio de um tipo de gás azul claro, brilhante e espesso, que não permitia a visão do conteúdo. Não teve tempo, ou capacidade, de ver mais nada.

De repente um gigantesco turbilhão de luz e cores, girando numa imensa espiral frenética e alucinante, se precipitando no infinito a uma velocidade vertiginosa – essa foi a única e pobre descrição que êle pôde dedicar ao fenômeno –, tomou conta de tudo. Melhor dizendo, se tornou tudo. Naquele momento êle teve a nítida impressão de que o que vira e sentira até então era uma mera introdução, uma simples preparação, um estágio de transição, para algo muito mais importante que viria logo em seguida. Era como se, antes, êle estivesse esperando na sala de embarque de um aeroporto e, agora, sim, estava realmente dentro do avião e levantando vôo.

Êle gostava muito de caminhar noite adentro pelos largos gramados defronte a sua casa de campo, e aquela noite estava perfeita. 23:30 horas, sem lua no céu nem luzes em terra, firmamento limpíssimo e estrelado, lindíssimo, sem uma nuvenzinha sequer atrapalhando o cenário. Saturno, Órion, Júpiter, Canis Major, Columba, Lepus, Pyxis, Puppis, Vela, Carina, Crux, Musca, Centaurus, Vênus, Circinus, Lupus. Dava pra identificar e contemplar perfeitamente os principais viajantes que cruzavam a Via Láctea, naquele momento, de sudeste para noroeste. Nessas horas deixava-se levar, entregava-se, era tragado, absorvido, absorto, pelo esplendor do cosmos e só conseguia tentar pensar em duas coisas: no infinito espacial e no eterno temporal, seus dois grandes mistérios insondáveis e insolúveis. Como é que pode? Espaço e Tempo sem fim! Infinitos! Eternos! Mas logo êle desistia de tentar pensar nisso (talvez pra não endoidar de vez) e ficava lá só divagando, contemplando e saboreando aquela beleza toda.
Repentinamente, no meio daquela noite calma, cerca de 01:30 horas, um grande estrondo, um grande clarão, um raio, um relâmpago, um trovão – mas, como?! Sem uma nuvem no céu! Nem ventando estava! Quem viu de longe disse que parecia uma grande bola de luz, alaranjada, amarelada, de vez em quando avermelhava; veio riscando o céu, desapareceu, depois apareceu do outro lado e sumiu no horizonte. Dias mais tarde, análises por triangulação, baseadas nos testemunhos de diversas pessoas que presenciaram o fenômeno de diferentes pontos de observação, identificaram o local do suposto desaparecimento da coisa como sendo um ponto sobre a propriedade rural dele, desse nosso amigo amante das estrelas, o qual vinha sendo dado como desaparecido desde a ocorrência do tal evento. Desapareceu junto com o desaparecimento!

Família desorientada, desesperada, há muito já pensavam em seqüestro, lógico, mas nada de contato, de pedido de resgate ou coisa assim. E certa noite êle reapareceu, no mesmo lugar, do mesmo jeito, com a mesma roupa, com a cara mais limpa do mundo, levemente assustado, é verdade, mas não pelo que teria acontecido com êle, mas, sim, pelo assombro que via na cara dos outros. Acontece que pelo calendário comum de todo mundo completava-se exatamente 93 noites e dias que êle estava sumido, sendo que para êle parecia ter transcorrido apenas algumas horas. Era como se êle estivesse saído para dar umas voltas por ali mesmo, pelas redondezas, e agora estivesse voltando para casa, só isso.

Só que êle não se lembrava muito bem de onde estivera, ou do que esteve fazendo, nessas suas poucas horas de sumiço. Mas, lá no fundo, no intimo, no recanto mais profundo do seu ser, sabia que algo muito importante tinha acontecido: algo infinitamente maior do que aquele pequeno lapso de tempo que êle julgava ter ficado ausente. Foi dormir, estava exausto demais para conversar sobre isso, ou qualquer outra coisa, agora. Deitado na cama, naquele doce interlúdio entre o primeiro sono e o sono profundo, começou a recordar-se vivamente de alguma coisa que seguramente experimentara horas antes. Levantou-se num sobressalto, assustado, trêmulo, quase apavorado, correu pro notebook colocado em cima da mesa. Um sentido de urgência muito grande se instalou em sua mente. De alguma forma misteriosa sabia que seu tempo restante de vida era muito curto – devido ao acelerado processo de degeneração física e, principalmente, neurológica que o acometia, como ônus das violentas transições biológicas de estado, ocorridas ao longo da viagem no espaço-tempo. Precisava começar a escrever sua experiência rapidamente. Começou por onde ia lembrando, por impulso, por espasmos, pelos meios:

As luas gêmeas quase tocavam a linha reta do horizonte, a maior seguindo a menor, e bem no meio, no zênite, daquele imenso céu amarelado já dominava o incrível sol deles, azulado, azul-piscina. Perguntei novamente para quem me acompanhava, meu espécie-de-guia, o nome do planeta. Nome muito estranho, não consigo lembrar. Mas êle repetiu para mim os dois nomes do sol, o nome dado por êles e o nome dado por nós: Alnitak (*). Esse eu conhecia muito bem. Aliás, foi o único nome que reconheci...

(*) Uma das três estrelas do Cinturão de Órion, também conhecidas popularmente como as “Três Marias”.


Alnitak II

As duas luas gêmeas quase tocavam a linha reta do horizonte, a maior seguindo a menor, e bem no meio, no zênite, daquele imenso céu amarelado já dominava o incrível sol deles, azulado, azul-piscina. Perguntei novamente para o que me acompanhava, meu espécie-de-guia, o nome do planeta. Nome muito estranho, não consigo lembrar. Mas êle repetiu para mim os dois nomes do sol, o nome dado por êles e o nome dado por nós: Alnitak. Esse eu conhecia muito bem. Aliás, foi o único nome que reconheci durante toda essa viagem. Estávamos num gigantesco planalto sem fim, numa cidade muito bonita e agradável, moderníssima, de arquitetura predial e traçado urbano bastante arrojados, suspeitamente parecida com a capital brasileira, Brasília – diferindo desta apenas pelos imensos e densos bosques e florestas, que a cercavam por todos os lados. Quase nenhuma circulação de gente e veículos nas grandes vias terrestres que, com suas áreas verdes, espelhos dágua e estranhos pátios, pistas e praças, deveriam servir mesmo era como áreas de lazer e práticas esportivas. O movimento maior estava nos céus, apinhado daqueles pequenos veículos aéreos, parecendo microônibus, deslocando-se silenciosa e ordenadamente de um prédio para outro e para outros locais fora da cidade – provavelmente para outras cidades.
Num de nossos freqüentes encontros entre visitantes e nativos, que eram assim como um tipo de reunião-palestra-curso, fiquei conhecendo um pouco mais, ou o suficiente, a respeito de certos assuntos sobre os quais guardava imensa curiosidade: as estruturas e as instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas e espirituais daquele povo. Quanto ao social-político-econômico, o espécie-de-chefe do meu espécie-de-guia esclareceu que ao longo de sua tri-cento-milenar história eles haviam experimentado de tudo: impérios, teocracias, ditaduras, monarquias, reinos, anarquias, sacro-impérios, repúblicas, parlamentarismos, oligarquias, democracias, etc, em todos os matizes e variantes possíveis, socialistas, capitalistas, comunistas, absolutistas, relativistas, etc, que estas entidades organizacionais pudessem proporcionar. Nada deu certo, muito pelo contrario. Somente nos últimos cinco mil anos, em que o planeta está, enfim, unificado e pacificado como uma única nação, sob um único governo global, é que as coisas começaram a dar certo. O sistema atual é algo parecido como uma democracia-social-liberal parlamentarista, meio capitalista, meio comunista, com liberdade individual total, isto é, ninguém é obrigado ou coagido há viver sob o establishment. Por exemplo, um anarquista, um racista, ou um fundamentalista religioso, pode perfeitamente procurar, ou até fundar, um feudo, um grupo, um partido, que corresponda às suas aspirações político-sociais; e se porventura um dia estes constituírem força suficiente para desbancar o regime posto, então, nesse dia, e somente nesse dia, se verá o que fazer.
Quanto ao que chamamos de instituições religiosas, nada. Quanto ao que chamamos de instituições espirituais, tudo. Já tiveram seus Cristos, seus Budas, seus Maomés, seus Moisés, e nenhuma instituição ou estrutura religiosa derivada, ou fundada, em nome destes, deu certo ou foi produtiva. Apenas os aspectos, preceitos, ou fundamentos estritamente filosóficos e espirituais destas entidades sobreviveram e foram positivamente produtivos para a vida política, social e econômica, individual ou coletiva, das pessoas. Porém, da mesma forma que ocorre no sistema político-sócio-econômico, a liberdade de culto e expressão religiosos é plena e é direito garantido a quem quer que seja, individual ou coletivamente.
Certo dia fomos visitar os dois satélites naturais, as duas luas gêmeas, muito parecidas com a nossa, que estavam quase em uma singular conjunção cósmica. De volta ao planeta, pudemos observar um fantástico eclipse lunar parcial, de uma lua sobre outra.
Mas, a grande surpresa, o ponto culminante, a revelação maior, o fato mais importante, de toda essa jornada, ficou para o final, quando eu já estava retornando, ou sendo devolvido, para casa. Pois foi só então que ganhei coragem suficiente e resolvi perguntar ao meu espécie-de-guia – talvez um dia lembre seu impronunciável nome – o que eles conheciam e, principalmente, quais eram seus interesses a respeito da minha Terra. E êle me revelou a surpreendente e estonteante história, que resumidamente é a seguinte: Há cerca de 30.000 anos (deles) atrás, ou 15.000 dos nossos, quando eles iniciaram as suas explorações espaciais de longo alcance, de um sistema estelar para outro, com naves de grande porte (mais de 20 tripulantes), decidiram, obviamente, começar pelos sistemas mais próximos, entre os quais este cuja estrela-mãe chamamos de Sol. Aqui chegando, descobriram com grande entusiasmo e satisfação que o terceiro planeta desse sistema, que denominamos Terra, era incrivelmente parecido com o seu planeta de origem. E possuía todas as condições básicas e necessárias para o estabelecimento de vida inteligente; perfeito para seres como eles – o nível da força de gravidade, a fertilidade do solo, a composição atmosférica e, principalmente, a grande abundancia de água, foram os fatores determinantes; aliás, o nome que eles deram para a Terra, traduzido para nós, é justamente este: Água.
Como a vida animal encontrava-se num estágio muito primitivo, incipiente, e ainda não se distinguia por aqui nenhum ser inteligente que pudesse se tornar dominante – os macacos de maior porte, apesar de serem de espécie similar à deles, levariam ainda alguns milhões de anos para conseguir – eles resolveram fundar aqui a sua primeira colônia interestelar em larga escala (interplanetárias, em pequena escala, já tinham cinco colônias, utilizadas basicamente para pesquisas cientificas e exploração mineral, localizadas no próprio sistema de Alnitak). Praticamente toda a tripulação, cerca de 60 pessoas, metade homens, metade mulheres, se candidatou a colono, e foi instalada aqui com todo o conhecimento cientifico e capacidade tecnológica suficientes para desenvolver uma grande civilização. Perguntei, então, qual era o motivo das visitas, do retorno, deles à Terra (ou Água). Resposta: a atual situação política, social, econômica e ambiental da colônia não andava nada bem, caminhavam rapidamente rumo à autodestruição, o que não era nada bom. Precisavam observar, investigar as causas; sentiam-se na obrigação, no dever, de tentar corrigir, de procurar ajudar; talvez até intervir diretamente, o que seria uma ação extremamente não recomendável e perigosa.
Muito atordoado e desconfiado solicitei ao meu espécie-de-guia, de um modo um tanto audacioso e desafiador, provas concretas e irrefutáveis de toda aquela história maluca que êle contava, ao que, paciente como sempre e quase ironicamente, êle logo atendeu. Informou-me que “provas concretas e irrefutáveis” poderíamos facilmente obter quando resolvêssemos explorar, investigar e decifrar, seriamente, à luz dos nossos ancestrais conhecimentos filosóficos e espirituais (mas nunca “religiosamente”, ou por simples fé), o que está “escrito”, por “dentro” e por “fora”, nas pedras dos mais antigos monumentos arquitetônicos do planeta – citou, especial e enigmaticamente, os conjuntos das pirâmides de Gizé, no Egito, e de Teotihuacan, no México. Dito isso, apontou para uma grande tela que fez surgir à nossa frente, na qual apareceram três desenhos, ou fotos espaciais, lado a lado: a formação das três pirâmides de Gizé, a formação das três pirâmides de Teotihuacan e a formação das três estrelas do que chamamos de Cinturão de Órion (as nossas tão conhecidas Alnitak, Alnilam e Mintaka).
Então foi a vez dele perguntar, depois de me pedir para observar e analisar atentamente as disposições nas três figuras – absolutamente semelhantes entre si com relação aos tamanhos, proporções, posições, alinhamentos e inclinações relativas dos seus três objetos –, se eu achava que aquilo era mero acaso ou coincidência.
Alnitak III

O espécie-de-guia apontou, então, para uma grande tela que fez surgir à nossa frente, na qual apareceram três desenhos, ou fotos espaciais, lado a lado: a formação das três pirâmides de Gizé, a formação das três pirâmides de Teotihuacan e a formação das três estrelas do que chamamos de Cinturão de Órion (as nossas tão conhecidas Alnitak, Alnilam e Mintaka).
Ai foi a vez dele perguntar, depois de me pedir para observar e analisar atentamente as disposições nas três figuras – absolutamente semelhantes entre si com relação aos tamanhos, proporções, posições, alinhamentos e inclinações relativas dos seus três objetos –, se eu achava que aquilo era mero acaso ou coincidência.
Depois desse astronômico, derradeiro e definitivo choque existencial, comecei a me sentir um pouco sufocado, meio sem ar, coração acelerado, peito apertado, pés sem chão, cabeça rodando a mil, suando frio, e sai correndo para fora, buscando ar livre, procurando o sol.
Lá fora, resgatando o equilíbrio, recuperando as faculdades básicas, respirando melhor e sentindo o agradável calor do sol – o sol deles! – na pele, eu já começava a aceitar que tudo aquilo não poderia jamais ser mero acaso ou coincidência; e que só podia ser mesmo coisa feita, arranjada, programada, planejada, projetada e construída, por eles.
Sentindo, apreciando e bendizendo o efeito calmante e revigorante da luz e do calor daquele sol, comecei, então, a pensar, a ponderar – numa luta desesperada para tentar restabelecer meus abalados sentidos físicos de orientação espacial – que o quê eu via ali, naquele exato momento, naquele céu, era muito mais que um simples sol (se é que se pode dizer que um sol é uma coisa simples), era também uma tal estrela que os antigos astrônomos da minha terra chamaram de Alnitak; a qual, à noite, alinhada com outras duas irmãs suas, participa do famoso conjunto das Três Marias!
Era muito estranho, e até um pouco engraçado, ficar imaginando as pessoas da Terra olhando para o céu à noite, procurando as Três Marias, e eu lá, coladinho nelas, quase sendo devorado e incinerado por uma delas.
Daí, conseqüentemente, e pelo que se pode chamar de uma simples questão de lógica associativa recíproca, ou reversa, passei a imaginar como seria ver, na noite deles, o sol da minha Terra como uma simples estrela no céu. E, para poder ver isso, a curiosidade foi tão grande quanto à ansiedade para que a noite chegasse logo.
Quando a noite, enfim, chegou, o meu espécie-de-guia nos mostrou um quadrante relativamente vazio no céu, onde se realçavam nitidamente três estrelas bastante brilhantes e isoladas. Elas estavam posicionadas há cerca de dez graus entre si, em relação ao nosso ponto de visão, e formavam um triangulo isósceles perfeito, com a base praticamente alinhada com o equador celeste e o vértice oposto apontando exatamente para o norte geográfico do planeta. As duas estrelas da base, dos vértices leste e oeste, eram mais ou menos do mesmo tamanho aparente e da mesma magnitude, mas a estrela do vértice norte era ligeiramente maior e mais brilhante que as outras duas.
Um outro guia, talvez um astrônomo, que nos acompanhava, fez, então, três precisos comentários e explicações sobre esse triangulo estelar: O primeiro, relativamente mais extenso e técnico, dizendo que as relações entre as medidas dos ângulos internos e as proporções dos lados e das alturas desse triangulo eram exatamente (e êle fez questão de ressaltar esse exatamente) as mesmas das nossas pirâmides de Gizé, na Terra (mais uma “transferência” de arquitetura cósmica?!) O segundo, um pouco menos técnico ou numérico, falando que aquela formação de estrelas sempre foi, e é, um importante referencial celeste para eles, por ser visível praticamente durante todo ano e por sempre apontar para a mesma direção no céu – assim como o Cruzeiro do Sul ou a Estrela Polar, para nós na Terra. E o terceiro, curto e simples: A estrela do vértice norte é o seu sol.
Para eles, um simples, mas muito importante, ponto apontando o norte; para nós, uma informação totalmente desnorteante, desconcertante.
Alguém, não me lembro se um dos nossos ou um deles, comentou alguma coisa sobre a importância do triangulo, dizendo que essa peculiar forma, assim como o círculo e o quadrado, contém algumas das relações geométricas e matemáticas mais fundamentais do nosso universo. Não consegui prestar muita atenção a isso, não porque já soubesse plenamente disso, mas, sim, porque, depois da revelação dessa incrível bússola estelar triangular deles, eu não conseguia parar de pensar no porquê o triangulo tem tanta importância e destaque na maioria das culturas e filosofias esotéricas, místicas ou religiosas da Terra – seria isso mais um caso de “transferência”, dessa vez do tipo sócio-cultural?!
Saí dessas minhas elucubrações, chamado pela voz do tal do meu espécie-de-guia. Êle não falava quase nada... Aliás, ali ninguém falava praticamente nada, nem precisava, pois a eloqüência da comunicação visual era mais que suficiente. Mas, lá, de pé debaixo daquele incrível céu noturno, êle pronunciou aquilo que, para os seus padrões de oratória, talvez tenha sido o seu maior e mais belo discurso:
A minha estrela, no seu céu, é um mero acessório, é uma pequena parte do cinturão que amarra as vestes de um imaginário ser cósmico. Mas, a sua estrela, no meu céu, é o principal, permanente e eterno referencial, é aquela que sempre norteou e guiou os caminhos da minha civilização.


3° Lugar
Além da era do Micro ship
Márcia Regina De Araujo Duarte
Rio de Janeiro/RJ


ALÉM DA ERA DO MICRO CHIP


O Planeta Terra está mais lindo, mais limpo, mais ecologicamente correto. Tudo funciona através de sistemas holográficos que acessamos mentalmente, bastando nos concentrar no que realmente queremos.
Não são mais necessários os micro chips. Utilizamos programas mentais instalados em nosso cérebro, via indução hipnótica. As malditas senhas finalmente deixaram de existir. Podemos ser reconhecidos em nossa identidade, via íris, voz ou digital de um dedo qualquer.
Cartão de débito e crédito? Coisa do passado! Ao fazer compras, basta ativar o sistema interno de memória, que nunca falha, e transmitir via holográfica os dados de nossa conta de créditos. Não utilizamos mais dinheiro nem talões de cheques. E o principal: Nossos créditos sempre são suficientes para adquirirmos todo o necessário, pois só pagamos na verdade, pelo supérfluo. Moradia, alimentação, educação, transporte, lazer e saúde são considerados necessidades básicas, e por isso são gratuitos.
Os aposentados, por exemplo, não pagam absolutamente nada. Vivem a vida intensamente, fazendo tudo que desejam e esteja ao seu dispor. E vivem muito mais tempo, pois as condições de saúde são intensamente melhores. Não temos horário fixo de trabalho. Isso é determinado por cada um, a cada dia, pois tudo acontece de acordo com nossas necessidades e capacidades internas. Há inteira responsabilidade em saber que o trabalho precisa ser realizado, e não existe mais aquela coisa de um se encostar no outro para trabalhar menos. Tudo é prazer! Não se trabalha para sobreviver ou obter dinheiro que nos permitirá ter isso ou aquilo. Trabalhamos por realização interna e emoção em ver o mundo evoluir.
E, como na maior parte do tempo, utilizamos o transporte astral e comunicação holográfica, o processo de estar aqui e ali é praticamente imediato. Não gastamos mais aquelas eternas horas presos em engarrafamentos diários. Sobra muito mais tempo para a família e o lazer, altamente necessário para manter ínfimo, o nível de Stress.
Os Geógrafos e outros profissionais de atividades afins conseguiram um método de controle natural, sem agressão à natureza, que faz com que maremotos, terremotos, tufões, furacões, vulcões, ciclones e etc, não atinjam mais a sociedade.
A vida parece plena e harmônica. Não somos mais a medida do quanto podemos gastar. Nossas profissões são escolhidas por puro prazer em realizar. Todos têm acesso a qualquer curso que desejarem. E não há filas de espera, pois o sistema de aprendizagem escolar também é realizado via holográfica. Não precisamos mais ir à escola. A escola está em nossa memória, com suas bibliotecas, acervos, monitores, laboratórios experimentais, etc.
A alimentação é totalmente natural, sem a utilização de químicas e agrotóxicos. Todos são bem alimentados.
Devido ao nível de conscientização que adquirimos, não existem mais orfanatos e asilos. A morte ainda existe, por certo, e quando acontece de alguém ficar sozinho porque os membros de sua família já se foram, ele pode ser encaminhado a residir em um condomínio com toda a infraestrutura caso já seja adulto. Se for criança ou adolescente, será enviado ao convívio de uma família, selecionada via harmonização de características comuns tipo dons, profissão, gostos, etc.
Não há mais a diferença entre os meus filhos e os filhos dos outros. Todos somos irmãos de alma e tratados igualmente, com o respeito que cabe a qualquer ser humano independente de raça, cor, nível social, etc.
Como a sociedade é harmoniosa e todos têm direito a todos os processos básicos, não existe mais a marginalidade como consequência de um mal estar cultural. Apenas defeitos de caráter podem trazer à tona tal comportamento, mas o número disso é mínimo. Defeitos físicos congênitos e predisposição a certas doenças, são corrigidos ainda na gestação, sem risco para o feto nem para a mãe, pois as técnicas de reconhecimento de DNA são avançadas.
A Psicologia como profissão de clínica acontece em noventa e nove por cento dos casos a título de busca do autoconhecimento. Desequilíbrios como Stress, Ansiedade, Pânico, Depressão e outros, fazem parte apenas do passado. O Ser Humano descobriu que o maior alimento e o melhor remédio são o amor e o sorriso gratuitos.
Há perfeita união entre as práticas milenares de medicina e as técnicas de última geração. Pouco se fica doente, mas quando acontece, a forma de tratamento é surpreendentemente tranquila. Cirurgias não precisam mais de cortes e pontos para cicatrizar. Pequenas agulhas são inseridas no órgão problemático e faz-se então um processo de transferência de informação celular, que cura quase que imediatamente. Não se utiliza aquele soro por via venosa, que deixa o paciente preso à cama. A anestesia não é química, mas sim por hipnose e relaxamento. E em função de todo este desenvolvimento o ser humano sobrevive muito mais tempo. O comum já é chegar aos cento e cinquenta anos. Morrer de velhice é o natural.
A prática da Arte é comum em quase todas as famílias. Os dons existentes em cada Ser são sempre valorizados desde cedo.
Os oceanos, mares, lagos e baías foram totalmente despoluídos. Florestas, replantadas. A camada de Ozônio restaurada com técnicas de última geração. Viagens interestrelares, são comuns passeios que se faz aos fins de semana. Temos contato com seres de outras galáxias e todos se unem em busca de um conhecimento cada vez maior.
Animais em extinção? Isso é termo fora de nosso dicionário. Há sim o controle de crescimento e habitat natural de certos animais, para que não se transformem em pragas destruidoras. Existem vacinas para quase todos os tipos de vírus e medicamento para qualquer infecção bacteriana. E a medicação não causa os terríveis efeitos colaterais orgânicos e sintomatológicos como acontecia antigamente.
Alergia é processo ultrapassado. Não existe mais poluição! Podemos respirar livremente ar saudável em todos os ambientes.
O Ser Humano é livre! O desenvolvimento é sempre para a paz! Esta é a Terra que todos precisamos! Em 2050, há o mundo melhor que tanto sonhávamos no passado.
As crianças brincam livres pelas calçadas, sem perigos de atropelamento, pois o transporte é aéreo. Assaltos e sequestros ficaram na memória antiga de um tempo que não volta mais.
O Ser Humano voltou a respeitar sua Mãe-Natureza. E ela lhe apraz no que há de melhor em si. Vários mundos. Uma só família. Um único Deus de mãos dadas conosco, brincando numa roda de ciranda alegre e descontraída.
Este foi o sonho que tive na última noite. Acordei assustada em minha cama, ainda me sentindo a flutuar. Olhei o calendário a fim de constatar a data do dia, pois que o tal sonho, de tanto parecer real, quase me confundiu.
Era verdade! Estava em 2050. Pensei em levantar e olhar o mundo pela janela, mas não foi preciso. Minha mente holográfica despertou e a vida abriu-se para mim. O céu azul límpido, o canto dos pássaros, o jardim florido intensamente colorido...
Com sorriso no rosto, pensei: - Que bom. Por um momento achei que ainda estava em 2009 e tudo isso não passasse de um sonho. Ufa! Por fim, nós vencemos. O Ser Humano finalmente se conscientizou que o Planeta Terra é sua única e maravilhosa casa, e entendeu que não basta apenas cuidar de suas próprias moradias. Há que se pagar um eterno aluguel à natureza, que nos mantém vivos. Pagamento este, que não se faz somente com moeda, mas principalmente, com amor.



Menção Honrosa
Dissertação sobre um Juiz
Suzana Dulce Correa Fagundes
Rio de Janeiro/RJ


Dissertação sobre um juiz

Era pouco demais a parcela de paz da qual ele podia gozar. Ele, um juiz de paz.
De manhã, quando abria os olhos, já havia permanecido horas com os olhos fechados, sem ter tido coragem de abri-los. Antes de dormir, todo cuidado era pouco para serrar muito bem as cortinas, para que, no dia seguinte, nenhuma fresta de luz ou de sol pudesse passar e o fizesse acordar. Era a vida o primeiro despertar para a realidade. Era aquele sentir o corpo sobre o colchão, sob os lençóis. Era o quarto de banho a lhe esperar, e seu barbear que lhe permitiriam adentrar a sala do júri todos os dias do ano.
O cheiro do café e do pão no forno, os passos da empregada na cozinha não o deixavam, até ali, fazer nenhum julgamento. Mas, era quando abria o jornal, mesmo indo direto às colunas do lazer, do cinema, do teatro, da música, aí sim, já alguns artigos o faziam avaliar e julgar: bom ou mau, sim e não, bonito ou feio...
Depois, inexoravelmente, o restante do jornal, com o seu obituário, o horóscopo, a política, a economia. Aí, sim, fazia o juiz a grande economia de pensamentos e de palavras, de laudas futuras, pois achava que nada mais valia a pena pensar, ali, diante do jornal ou da vida.
Não conseguiria ele sonhar nenhum sonho, distante que fosse, no Marrocos ou coisa assim, ou na infância tão somente. Achava que sonhar era a verdadeira loucura.
Era pouco o que respirava por dia. Uma respiração sôfrega que nunca se agrandava, porque emoção ou sobressalto não o surpreenderia. Seu coração continuaria a bater do mesmo jeito, no mesmo ritmo.
Interrompe a leitura para pensar se acaso a lavanderia já havia entregue seus ternos, testemunhas oculares, casimira que, junto com ele, se sentaria nos bancos de juízes, ali pateticamente e ficariam a julgar petições, acusações e absolvições.
Para de pensar na lavanderia para finalmente dizer o bom-dia à antiga empregada e pedir-lhe que não o espere para o almoço.
Era pouco o que lhe era dado viver para si. Pensava em como a Lei lhe tomava quase as 24 horas do seu dia, julgando, julgando.
Quando olhava uma vitrine, via a sala do júri com seus fantasmas, com todas aquelas palavras proferidas. Via a si próprio, ali, ouvindo advogados, testemunhas, acusação, defesa, e se imaginava viajando longe... Sua cabeça devaneava naquele sonho vivo, onde tudo era o tempo passado, morto. Tudo parecia apenas a leitura de um texto teatral, um ensaio geral, nada mais que isto.
Os bancos de madeira, ligeiramente ensebados, cheiravam a óleo de peroba. Demoraria um pouco, ainda, para o óleo entranhar na madeira e dar-lhe um aspecto fosco.
O juiz estava ali, no alto, porque era necessário para ele uma certa altura, para se fazer superior. Como Adolf Hitler, que montara sua sala de recepções de forma que ficasse sempre mais alto que seus interlocutores.
Muitos anos se passaram na vida do juiz: os da faculdade de Direito, os da adolescência, os da infância, o tempo de sua vida intrauterina. Agora, era a decadência física, o cabelo caindo, as responsabilidades, aquela cadeira dura de madeira.
No fundo do peito, felinos arranhando o esôfago, a laringe, a boca do estômago, partes do ser humano que ele era. Aquele homem sem história, porque sua vida não tem um enredo peculiar.
Agora, era apenas o sustento de uma vida sem consolo. Ainda o sonho, pequenas ambições corroendo suas entranhas. Uma rotina seria muito pouco para um homem em plena sociedade de consumo, em meio à propaganda, ao mundo agora globalizado. No entanto, era o que tinha.
Estudara muito. O Código Penal, outros códigos, para depois recitá-los naquele banco de juiz, sintetizados nas palavras finais:
— Culpado!
— Inocente!
Gostava de falar antes de proferir qualquer sentença: justificativas ou palavras consoladoras. Mas elas já não lhe pertenciam, vinham não sabia de onde. Espontâneas como equações que se resolviam matematicamente dentro dele.
E o juiz as proferia com prazer. Ignorando de onde vinham aquelas citações, nomes ou informações. Ali estava ele, deixando que seu raciocínio verbal, lingüístico, antecipasse a sentença. Muitas vezes ele teve a certeza de que era uma voz como a de Deus que, através dele, falava. Sabia, também, que a visita do cliente ao seu advogado definia a sentença, e que a justiça se fazia sozinha. O juiz é mera peça de um jogo, do jogo da vida. Pressentia que aquela encenação, cercada por todos os lados de lambris de madeira, chão e teto, deixaria de existir com o passar do tempo. Seria como a forca ou a guilhotina: coisas do passado. Tinha a certeza, sobretudo, de que o ser humano não alcançaria a paz, enquanto necessitasse de juízes. Não enquanto fosse este um mundo de juízes e de prostitutas.
O telefone raramente tocava em sua mesa de café. Nunca ninguém teria mesmo nada a lhe dizer logo de manhã, porque ele não havia deixado nenhum assunto pendente no dia anterior. Além disso, não estava mantendo relacionamento humano algum naqueles dias, nem tinha filhos.
Quase sempre, regozijava-se por não ter sido nenhum daqueles juízes em Nuremberg. Tampouco, o juiz que proferiu as sentenças finais.
Naquela manhã, voltava ao seu coração o remorso por ter nascido, simplesmente. Por ter sobrevivido, por estar ali com a xícara de café na mão, envolto na fumaça que pairava no ar. Só pensava em como seria bom estar longe dali, nos Alpes, talvez, ou em alguma fazenda com o mesmo café fumegante nas mãos.
Para exercer o seu papel de juiz, teve que ter doze fôlegos, ser o mais teatral possível, mesmo que, para isso, tivesse que tirar seus disfarces de todos os baús. E ele não pensava em indumentárias. Pensava na mímica facial, mental e emocional, nos gestos que teria que fazer para os rituais diários na tribuna.
Voltava-lhe, à mente, o julgamento de Nuremberg. Quantos juízes! Quanta atrocidade por causa de uma só culpa, de uma só guerra!
Aquele era mais um dia em que ele vestiria a toga preta, com pequenos detalhes brancos. A cada júri, mandava passá-la com a intenção de que os pecados dela fossem dissipados com o calor do ferro, para que esse manto absorvesse uma nova negritude que a impregnaria, outra vez, com fatos narrados e acontecidos.
Depois da toga, a pele. Os tecidos epidérmicos. Veias passando, artérias cheias de sangue, alguma gordura, os ossos. Sob a penugem dos braços, das pernas, dos cabelos da cabeça, ali estava o seu corpo: maior protagonista e vítima da sua morte certa, mas, sobretudo, a maior prisão que experimentara, verdadeira prisão perpétua, o seu corredor da morte.
O juiz era culto e informado. E ali estava, naquela manhã em sua casa, em profundo silêncio. Nenhuma ópera poderia tomar lugar ali naqueles instantes. Estavam, também, os minutos preciosos do seu silêncio. Na verdade, o barulho mental dentro de sua cabeça era ensurdecedor. Do lado de fora, a sua quietude parecia solidão, talvez abandono de si mesmo. Era curioso, mas o juiz achava que ninguém tinha o direito de julgar outro ser humano seja por sua aparência física ou mental, seja por seus depoimentos, ou por nada. Ninguém, nem os últimos dos mortais, poderia ter a pretensão de julgar quem quer que fosse, nem ele próprio. Mas o juiz, tinha que fazê-lo, não sem antes olhar para dentro de si e adentrar rios, mares, seu sal, seu pó.
Ele era uma célula única, individual e solitária. Tentava descondicionar a mente, libertar-se. Não lhe agradava ser igual ou parecido a nada. Achava difícil pertencer a qualquer agremiação. Portanto, nunca poderia ser budista ou evangélico. E também achava desconcertante ser associado a algo.
Mas o juiz era um ser social, embora não se sociabilizasse. Via, há anos, no apartamento em frente, pessoas reunidas para um chá, talvez. De onde aquela amizade poderia ser, pensava.
O juiz acabou tendo uma vida formal. Por demais. Por isso, muitas vezes queria romper com o preestabelecido. Tinha sede do insólito, do inusitado. Na verdade, queria para si um mundo fantástico como acontece nos palcos do teatro ou no cinema. Quantas vezes teve vontade de causar um escândalo, como ter um ataque de nervos na tribuna, numa represália a tudo o que fosse lugar-comum! Quando era jovem, mas já um juiz de respeito, quis entrar a cavalo no fórum, como cowboy, atirando para cima.
De tanto ver a injustiça, os ladrões, os párias da sociedade pensava:
— Que massa é esta? Afinal, do que é feito o tecido da sociedade?
Ele sabia que esse tecido era útil como uma rede de pescar, belo como um adamascado com fios de ouro, volátil como o mais fino véu das mil e uma noites. Sabia também que estava cheio de furos, por onde escoavam provisões preciosas, valores, consciências e vidas. Verdadeiros buracos no cosmos. E que era uma sociedade assim que elegia juízes, para que estes julgassem o impossível: uma onda do mar, uma avalanche, água, terra, pedra, um fogaréu atiçado pelo vento...
Olhava para os jurados e sabia que muitos deles estavam absortos, evasivos, ali, naquela sala. Tinha certeza de que muitas daquelas mulheres tinham deixado a roupa branca de molho em suas casas para clarear. Conhecia, também, muitos dos pensamentos daqueles homens, como o time de futebol na disputa de um campeonato.
Sabia que, pelo menos uma daquelas mulheres do júri, ainda há pouco, havia jurado fidelidade ao marido. Mas como, pensava, ela poderia cumpri-lo se o amante a esperava logo depois daquele julgamento? (No fundo, o juiz torcia pelos amantes).
Seria tudo isso imaginação pura? Ele tinha muito tempo para avaliar os seus pensamentos, afinal, os julgamentos tinham virado rotina. Era quase tudo mecânico, repetitivo. Só mudavam, nos processos, nomes, situações, localidades. Ele já sabia que o veredicto era a palavra final de uma voz incontrolável, que gritava dentro dele. Chame-se isso de fatalidade, de voz de Deus ou da justiça dos homens.
Desejava que todos os veredictos fossem não mais que palavras passando como nuvens na sua mente azul cerúleo. Desejava que essas palavras finais nem a ele pertencessem, fossem como hóspedes, como pessoas que chegam e que partem em seguida.
Às vezes, achava que os seus dias de vida já chegaram ao fim. Assim, sem doença alguma, a não ser alguma neurose, passando desapercebida aos olhos alheios. Mais um pouco, e talvez morresse. Indagava-se se acaso os momentos felizes compensaram todo o sofrimento da condição humana na qual ele sempre viveu.
Em meio a tantas conjecturas, achava que era a solidão o seu bem mais precioso. Não fosse essa fiel companheira, vestida de mulher, que o acompanhara na alegria e na tristeza, que bailara com ele nos palcos dos cheiros, dos tatos, das percepções, como tudo teria sido?
Na hora do desespero, o juiz pensava no abstracionismo. Em todo tipo de arte abstrata. No poder de sua síntese, no seu minimalismo. Pensava na vanguarda, no novo. Pensava nas formas sinuosas das esculturas e dos objetos, na tridimensionalidade que via nos museus e nas galerias. Para ele, a arte era outra dimensão. Através dela, o juiz se via numa esteira para pedestres em alguma estação espacial.
Era bom para ele ver o passado ficando para traz e o presente dando lugar ao futuro. Nessa esteira, o juiz já não se sentia medíocre. Sentia-se, ao contrário, quase um deus. Um Zeus ciente da efemeridade de todas as coisas, da sua volatilidade.
Caminhando, sem tempo, sob forte chuva, o juiz queria ter o prazer do contato com a água, depois com o fogo ao pé da lareira. Queria respirar o ar da noite, sentindo o cheiro de madeira queimada, de brasas fumegantes.
Diante da noite, mais que nunca, ele sabia que, inexoravelmente, todos os dias amanhecem. Era bom varar a madrugada lendo os infindáveis processos e esperando que o dia clareasse por fim. Era como nascer, dar o primeiro grito de vida, estar em mãos maternais. E o dia era cor de anil muito claro, era fresco, coberto do orvalho que já começava a evaporar.
O juiz não queria exatamente o respeito das pessoas. Só queria mesmo era a paz sonhada. O seu bem-estar. Queria ser feliz em vida e não após a morte.
Respirava fundo, profundamente.
E achava que era feliz, afinal..


Menção Honrosa
Escriba – O Portal Secreto
Rita Bernadete Sampaio Velosa
Américo Brasiliense/SP


ESCRIBA: O PORTAL SECRETO

__Eu não sei ler. Você sabe?
__Não. Ninguém mais sabe!
__Isso não é verdade! Meu chefe sabe.
__Ele não vale. Ele é vice-presidente.
__E vive escrevendo naquele computador, que ainda tem teclado. Ele só conversa por escrito com o presidente da empresa.E eu, que sirvo o café, tenho em casa um computador bem mais avançado, que obedece aos meus comandos de voz. Não dá para entender meu chefe! Usar um computador , modelo Século XXI, de quase cem anos atrás...
__Mas vou te dizer uma coisa: não é só ele não! O meu também! Você já reparou, que só esses funcionários do alto escalão é que sabem ler e escrever?
__Meu avô ainda sabia ler, mas desde que inventaram esses novos computadores, ficou tudo diferente para nós. Meu pai ainda estudou leitura e escrita por um ano. Depois fecharam as escolas. Eu, já nasci bem depois disso...
__Verdade! Por que será que as escolas foram fechadas? E, sabe, outro dia, eu entrei de repente, na sala do meu chefe e ele estava num ” site” que não tinha som nem imagens. Era todo cheio de uns pequenos sinais. Para mim aquilo é o que eles chamam de “ escrita”. Ele estava distraído e sorria. Parecia estar se divertindo muito. Quando percebeu que eu estava observando, desligou tudo rapidamente. Cheguei em casa e tentei acessar aquele “site”, com comandos de voz, porque eu não sabia como ler aquele “ link”. Mas meu computador dizia que aquele “ site” não existia.Mas eu sei que existe! Eu vi no
computador dele. Tenho certeza!
__Aconteceu o mesmo comigo.Eu ainda fiz mais:copiei aqueles pequenos desenhos do link do computador do meu chefe, quando ele esqueceu o computador ligado, faz umas duas semanas.Depois digitei aqueles desenhos na barra de navegação.Porém, não deu certo também.Eu acho que eles têm “sites” só para quem sabe ler..De alguma forma, eles bloqueiam esses “ sites” e portais para nós. Acho que tem que usar alguma senha ou algum número de IP secreto.
__Verdade.Também acho isso!
__E devem existir escolas ainda. Como é que eles aprenderam a ler?
__Mas se existem, são secretas. Eu nunca soube de nenhuma!
__Eu não queria passar minha vida inteira servindo cafezinhos. Mas não sei como fazer para trabalhar em empregos melhores, assim como os dos nossos chefes.Eles tem de tudo:moram em casas confortáveis, comem bem, vivem viajando...É a maior mordomia!
__Também não agüento mais essa escravidão. Sem saber ler, ficamos na ignorância, totalmente dominados! Desconfio de que eles controlam o que podemos saber ou não.
__Verdade! Há meses eu venho tentando descobrir alguém para me ensinar a ler, secretamente. Depois quero ver se dou um jeito de invadir os portais deles para ver o que contêm. Eu ouvi falar que existe uma sociedade secreta que faz isso.Você já ouviu falar?
__Já! Parece que o nome é “SPPE”.
__O que significa?
__” Sociedade Protetora da Palavra Escrita” . Dizem que eles têm livros escondidos em casa, o que é muito perigoso, e que trocam esses livros entre si, para lerem. Sempre que descobrem alguém com um livro, o proprietário some para sempre.Dizem que foi isso que aconteceu com o nosso colega Lineu, que sumiu misteriosamente. Lembra dele?
__Claro! Foi o caso do Lineu que me fez começar a pensar.
__Pode bem ter sido isso mesmo! Nos últimos tempos, antes de sumir, ele andava diferente, alegre, com um brilho especial de esperança no olhar.
__Silêncio! Disfarça! O chefe vem vindo!
E foi assim, que, no futuro, a oralidade voltou a dominar a comunicação humana, repetindo um cenário de dominação total dos letrados sobre os iletrados, já bem conhecido da raça humana nos primórdios da civilização. Com uma agravante : as máquinas , instrumentos poderosos nas mãos de censores implacáveis!

Crônicas 2009

Crônicas

1° Lugar
Velho Amigo
Fernando Catelan
Mogi das Cruzes/SP


VELHO AMIGO


Um dia, quanto teus braços eram mais fortes, os emprestaste a servirem de guarida a meu caminhar titubeante pelos primeiros passos da vida, mas agora que o passar dos anos sulcou tua fronte digna com as marcas do tempo, agora que a invernia da vida lança uma nevasca sobre tua cabeça já não tão ereta, ainda tanto compareces, ao contrário do que se poderia supor, não gesticulando tuas súplicas, mas no continuar a estender tua mão amiga como a esboçares resgatar-me desta lida tão desencontrada que não atino.
Sei que, por vezes, encenas uma força de ti já esvaída, tudo para que pareças forte o bastante a fim de que tua existência, homem caridoso, seja sempre de préstimo aos teus, mas abandona um pouco tão rígida couraça, conta o que te vai nesse peito que suas mágoas só chora no anonimato das madrugadas e serei, então, mais feliz se uma vez ao menos tiver dado ouvidos a ti.
Ah, criatura nobre, altaneira, que tantos exemplos fundo calcou em minh’alma, respondes diretamente por isso que hoje sou, e se mais despojado eu das mazelas de um mau caráter, tanto em ti me espelhei, tanto ousei imitar-te no pesaroso trabalho da reforma de meu ser, um dia todo caracterizado por indisfarçável egocentrismo.
Quanto deve ter doído a ti ver-nos na contramão das trajetórias, tu tão compenetrado na devoção ao próximo, ao passo que eu ninguém além de mim mesmo neste imenso mundo enxergava, mas eis que o que se afigurava impossível afinal se deu – eu, em que pesasse toda a minha arrogância, toda a minha imensa prepotência, fui levado a estagiar no fundo do poço, mas estavas lá, até onde fui dar te arremeteste, e quanto fizeste por dar-me a redenção!
Figura que em momento algum lograrei igualar, hoje te assisto em teu plácido existir, ajardinando os campos onde se detêm nossas vistas cansadas de tanta experimentação de flores coloridas, e vejo quão és benfazejo, quanto te movem pequenas coisas que se tornam incrivelmente maiores, pois as copiam outros de ti como vivas exemplificações!
Velho amigo, cada semente de um amanhã mais florido que plantas na terra cujo alto preço com o suor de meu rosto saldei mergulhas no âmago de meu coração ferido, que, no devido tempo, segundo tu vaticinas, haverá igualmente de desabrochar em flores tão perpetuamente vivas.
Velho amigo, foste meu maior mestre em arte acima de qualquer outra – procuraste adestrar-me no amor, e se hoje me comovo, eu antes pragmático, impassível, nos espelhos d’água entornados das órbitas de meus olhos quando choro vês refletida tua augusta imagem que o tempo, tão só esse algoz que contra meu contento conspira, debalde teus tantos méritos gasta numa velocidade que em mim infunde tanto temor de que ao cabo de mais alguns anos vás viver teu inexorável encantamento.
Maestro, quis-te pelo sempre tão logo vi que em uma confluência do tempo fizemos de nossas trajetórias opostas um só caminho, e agora que junto a ti trilho senda que vai deixando para trás o desespero tanto temo perder-te, companheiro de caminhada, ainda mais porque se hoje comigo conciliado, lanço o olhar d’alma ao ontem e no que flagrava-te errôneo tão só te diviso o gigantismo de quem se debruça sobre o trabalho hercúleo de tutelar uma vida que não lhe chegou por acaso, mas em razão de particularidades que ‘inda hoje não estou à altura de decifrar totalmente, já que se o milagre da vida aos desígnios de Deus pertence, particularidades essas em parte aclaradas, em parte revestidas dum hermetismo sempre perene, mesmo adestrando-se a criatura humana na língua dos homens e dos anjos.
Aprendi desde cedo o respeito que impunhas, mas graças dou mesmo a teus desmandos de autoritarismo, assim pude estender a obediência que te devia a tudo e a todos, dando a esse condicionamento a conotação da humildade que incessantemente exercito, tão melhor que aquela velha impetuosidade que a passos cada vez mais céleres vou deixando na poeira da estrada.
Volto às flores que hoje plantas, velho amigo, em meu imenso quintal, com a dedicação própria daquele que bem cultiva o que é seu, mas, em face desse teu tamanho desvelo em ajardinares não o teu, mas o meu quintal, sondo-te o gesto, e, se bem ronde-me funesto presságio de estares de partida e, assim, com flores pelo sempre assinalarás tua passagem, fica mesmo patente na ação singela a grandiosidade de teu amor, o quanto dele aprendeste em tua vida surrada por tantas agruras, tantos males que te fizeram, homem que enverga já sobre os ombros o peso de uma longa caminhada, e nem por isso abdica do direito a uma vida consagrada a fazer a vida de outrem mais viva.
Velho amigo, sei que lanças tuas flores sobre o solo esperançoso que Deus devolva àquela tua escudeira de sempre os bons olhos que já não tem, e, se assim insistes, é porque nem por isso abdicas do intento de que se desenhem diante das vistas de tua eterna caminheira essas cores que para ela primeiro arquitetas na fornalha de tua alma. Quiçá quem hoje, num misto de inconsciência, sequer clama que a secundes, um dia Deus enxergue às voltas com a aspereza de injustificado calvário, a livre dos calabouços de sua mente aturdida tão só porque um jardineiro preparou para suas vistas renovadas os mesmos canteiros de flores que se vê no Céu.
Velho amigo, enquanto tantos ideais foram e permanecem sendo calados pelo rugir dos canhões, semeias flores ao teu passar, deixando um rastro de saudade nas marcas indeléveis de teu caminhar pela Terra. Tu, que sempre foste jardineiro de boas palavras, encontrando as que te pareciam certas a quem quer que te bebeu os sábios conselhos, hoje parece não tão afeito aos conselhos, talvez porque tenhas combalido ante à sisudez destes tempos de agora em que os canhões não mais falam tão alto, aqui e acolá pipocam, mas ousaram chamar para si teus contemporâneos uma reticência que equipara o sementeiro de flores ao louco desvairado.
Há quanto tempo estou a teu lado, velho amigo, que me perco em minhas origens quando rememoro tudo que junto a ti vivi, e fica mesmo impossível, já a essa altura de nossas vidas, imaginar-me sem tua figura ao mesmo tempo enérgica e canda, num só momento lacônica e pródiga em manifestações de afeto, que só acresce a si nuances tão distais aquele que muito viveu, ou o que tenha vivido viveu intensamente.
Velho amigo, em tamanho desvelo te flagro sementeiro das cores futuras cá deste cantinho que a muito custo amealhei, que, por certo, dando-se teu encantamento, requisitar-te-á Deus no ofício de jardineiro do Paraíso, já que indolentes as almas que vivem por lá e mesmo ao Criador, abismado que está com a pequenez de tantas de suas criaturas, tem faltado inspiração em tornar o Céu mais belo, tarefa que não hesitará em confiar a ti, liberto da matéria e já, então, agindo na velocidade do pensamento, que és, velho amigo, um ser tão belo!
Que as flores que plantas, uma vez florescendo, possam trazer alento às minhas forças exauridas, que uma semente que cuidei de semear em ventre, tão bela hoje vinga em flor vistosa para olhos outros, que quase nunca me é dado ter com a flor que tanto amo, a flor cuja alma depositei em ventre que pensei um dia sagrado, mas ao Mal consagrado. Quem sabe, velho amigo, estejas também sinalizando a passagem pelos campos que fará floridos a essa minha filha, que, flor que é, há que se misturar então às acácias, margaridas, amores-perfeitos, begônias, tulipas, a tudo, enfim, que cá lançaste no seio da terra, unindo-se o perfume de sua alma sobranceira ao hálito com que tuas flores farão ébrios de perfume os ares.
Velho amigo, devolve-me as almas que de nosso convívio se foram fazendo das cores que vais sacando de tua abstração de sementeiro luzes cintilantes que orientem esses de nós desgarrados cá a este porto seguro. Velho amigo, sê também sementeiro de minhas ilusões, insuflando tuas flores da vida que se refaz e pondo inerte e cativa, por tal, a morte.
Velho amigo, verdadeiro sementeiro do Bem, como viver apartado de ti se as próprias convenções do mundo, ao menos por quanto vivermos, selaram nossos destinos em uma união que amadureceu como a flor, que primeiro se faz botão, para depois abrir e só depois gerar suas sementes, transpondo a morte no beijo dos pássaros? Da mesma forma se deu conosco – foi preciso que cresceste, já mais adulto amadurecesses, para, então, depositares em ventre da flor que por mais excelsa elegeste tua semente que fez de mim, meu pai, teu filho.

2° Lugar
Conto de Ossanha
Suzana Dulce Correa Fagundes
Rio de Janeiro/RJ


Conto de Ossanha


A menina não devia ter nem dois meses ainda. No colo da mãe, com a comadre do lado: inútil, inerte. O choro se ouvia longe, e eu o ouvia bem dentro dos meus ouvidos, tão alto quanto o bebê podia gritar. Era o choro de várias quadras de rua, rodeado de lojas, umas coladas nas outras, em época de Natal no Centro da cidade do Rio de Janeiro.
As lojas ostentavam, dentro e fora, milhares de bugigangas miúdas, as pessoas aglomeravam-se aos milhares, era a Rua Senhor dos Passos.
Eu havia já feito todas as minhas compras, mas algo que eu não sei dizer àquela hora, me chamou sob aquele sol de pelo menos trinta e oito graus.
Se aquela rua fosse, em vez de uma rua asfaltada, um deserto, e se aquela mãe continuasse a andar por mais dois ou três quilômetros, aquela menina recém-nascida poderia morrer de tanto chorar, de insolação ou de desidratação.
Acho que há horas que a menina não era trocada. Sua assadura devia ter atingido já as proporções de uma grande queimadura. Devia doer muito. Sua mãe lhe colocou sobre a cabeça uma fralda, para estancar o sol forte. Mas o pedaço de pano lhe cobria os olhos, não a deixava ver e deveria fazer-lhe cócegas. Ela gritava, gritava.
E eu, ali, com as mãos carregadas de compras, cheia de pacotes, os sonhos que sonhei durante pelo menos dois meses. Fiz muitas listas, eliminei muitos desejos de consumo, adiei minha ida ao Centro, à famigerada rua Buenos Aires, à rua Uruguaiana, à Sete de Setembro, à avenida Passos e a tantas outras. Eu, ali, também indefesa tal qual a criança, e, como as outras pessoas, não poderia nem sugerir nada, nem falar absolutamente nada com a mãe ou com a comadre. Aquela criança chorando era o broto de uma árvore sendo arrancado. A memória da criança estava ali mesmo gravando em alta fidelidade as impressões do que estava passando naquela tarde de sol forte.
O fato é que, desde que cheguei em casa, a visão não sai da minha mente, e o pior, do meu coração. Não imagino por que eu teria que passar por essa experiência no dia de hoje, agora, tão perto do Natal...
Porque, naquela rua de turcos, de mascates, o único vivente inocente era aquela criança se esvaindo de tanto chorar… Nada mais valia nada ali, e, o que valia menos ainda era aquela mãe que andava, andava devagar, sem se relacionar com a filha, sem lhe dizer nada.
Seu único gesto foi lhe oferecer a chupeta e dizer à comadre:
Ela não vai querer a chupeta, não.
(A menina estava era com fome).
A comadre sugere que parem ali adiante decerto para dar de mamar à criança. Mas, só depois de esperarem longamente o sinal abrir, atravessar a rua e deixar que o sol quase matasse a menina. E ela berrava e urrava.
Penso em quando fui bebê. Numa situação parecida, que comigo tenha acontecido. No fundo de mim, sinto profunda pena de todos os bebês do mundo, tão frágeis como eu tenha sido, ou o quanto já tenha chorado...
Não sei mesmo se não sou o produto de algum desleixo do meu passado, por tanto desamor, por tantas lágrimas, por tanta espera, por tanto desterro, por tanta desolação…
Está tudo bem gravado na minha memória celular ou em alguma “fita magnética” proibida de ser tocada, que, aliás, eu prefiro deixar bem salvaguardada. Esta mágoa hoje sentida, foi já o meu presente de Natal deste ano, a grande coincidência de me deparar comigo mesma, aos dois meses de idade, na rua Senhor dos Passos, já não mais a chácara onde nasci, tão longe daqui.



3° Lugar
Macro ou Micro?
Rita Bernadete Sampaio Velosa
Américo Brasiliense/SP



MACRO OU MICRO?

Não sei onde vou chegar com tudo isso. Mas, com certeza concluirei com: não existe nada mais pavoroso e maravilhoso do que a vida humana! Pavoroso, por que já vem com prazo de validade; e, maravilhoso, porque traz consigo o sonho de todo ser humano: a eternidade.
Se fomos criados á imagem e semelhança de Deus, então não vejo o porquê de não podemos ser eternos também. Lógico seria pensar que fomos criados para vivermos eternamente, assim como ele. Mas daí, poderíamos nos perguntar: Deus é eterno? O universo é eterno?
O ser humano desenvolveu a teoria do “big-bang”, ou seja, da explosão inicial que criou o universo. Mas, se houve um “big-bang”, quem, ou o quê o provocou?
Então já havia outro agente anterior ao “big-bang”! E isso, que hoje conhecemos como Universo, seria talvez, um microcosmo, dentro de outro, dentro de outro, dentro de outro... chamado, talvez, Infinito?
Para nós, presos a conceitos de tempo, espaço e matéria, fica realmente impossível entendermos o que seja Deus, Universo ou Infinito.
Pensei nessas coisas enquanto olhava para uma formiguinha, subindo pela parede da sala. Ela não tinha nenhuma consciência de que estava subindo, pois para ela a dimensão do espaço era outra. Se eu tentasse subir por aquela parede, certamente me esborracharia. Ela também não tinha consciência de minha presença, devido ao meu tamanho em relação a ela. Eu era seu macrocosmo e ela meu microcosmo.
Então pensei: os cientistas dizem que o Universo está se expandindo ainda mais ;e que irá se contrair e finalmente formar uma nova massa crítica ,que provocará um novo “big-bang”, que criará novos mundos com vidas neles. Bem, meus conhecimentos de Física e de Matemática , rudimentares, me impedem de calcular a quantidade de tempo que seria necessária para que isso acontecesse. Aliás, duvido que alguém já tenha conseguido fazer esse cálculo com um mínimo de credibilidade.
Então, só nos resta a imaginação. E então vi o nosso planeta Terra como um glóbulo na corrente sangüínea de um ser macrocósmico e o Universo em expansão e contração, como um pulsar de um coração humano. Esse pulsar do Universo seria semelhante ao nosso.
Pensei nos buracos negros como veias e artérias, que conduziriam a nós e aos nossos mundos para ,simplesmente, outros órgãos ou sistemas. Assim, poderíamos perfeitamente sermos partes do corpo de quem chamamos de Deus.
Mas nós, seres humanos, seríamos microrganismos que desobedeceram ao comando central (pecado original,-a historinha da maça-) e que com isso perdemos a eternidade e a saúde, nos tornando um tipo de organismo com prazo de extinção e que por isso mesmo ,só consegue permanecer vivo através da reprodução ,com o nascimento de novos indivíduos. Nisso vejo também uma fórmula bastante semelhante à do Universo como um todo. Ele também se renova, em outra escala de tempo para permanecer eterno através dos big-bangs.
Teríamos o mesmo mecanismo de eternização, para o macro e para o micro?



Menção Honrosa
Calcanhar de Aquiles
Álvaro Luiz Carvalho da Cunha
Rio de Janeiro/RJ

CALCANHAR DE AQUILES

Deixe-me tocar em seu coração, deixe-me bater à sua porta... Não sou um estranho ao qual rejeitas e desconheces, mas sou alguém tão igual a você que também busca as respostas deste nosso louco viver. Também faço diversos tratamentos, desde os médicos até os espirituais, pois, minha vida é um eterno turbilhão de emoções e de contradições . Mas, é claro que sofro, se não sofresse, sequer estaria aqui escrevendo, preciso escrever para desabafar , uma vez que, a prisão da solidão me angustia e me faz desmoronar. Falo tudo isto é no sentido de que saibas que ninguém nesta vida terrena é perfeito, ninguém está acima do bem e do mal, todos nós fedemos, não acredita ? Fica um dia de sua vida sem tomar um bom banho ou fazer a sua higiene pessoal. Por isso que o orgulho e a soberba são tão insignificantes que nem devemos perder o nosso tempo com bobagens assim e também não tenho piedade daqueles que assim são, isto porque, acredito que somos responsáveis pelos nossos atos e cada qual recebe da vida o que dá a ela em troca. Pode alguém também me provocar e perguntar : “ Como alguém como você, que vai da euforia a melancolia em segundos pode aconselhar alguém ?”
E eu posso me calar e nada responder , pois, não dizem que os verdadeiros sábios são aqueles que nada falam ? Mas, não, prefiro escrever, assim me manifesto, exerço a minha dignidade, me exponho e mostro as pessoas que não há uma fórmula perfeita de felicidade ou de alguém feliz, próspero, bem sucedido ou inatingível. Todos nós temos o nosso calcanhar de Aquiles e o que devemos fazer é evitar simplesmente que nos atinjam em nosso calcanhar de Aquiles.
Simples, não ? Não, não é nada simples, mas, quer um conselho ? Esqueça o meu conselho e procure cuidar-se espiritualmente, ouvir somente a sua voz interior, a sua razão que é a sua intuição, sem medo de desagradar quem quer que seja, pois, nosso caminho é somente nosso e se não o caminharmos ninguém irá caminhar por nós.
Quer um exemplo de como somos sozinhos conosco mesmos ? Quando ficamos internados ou em observação em um hospital , deitado em uma maca ou em um leito, estamos ou não sozinhos diante da multidão? O mundo simplesmente continua a girar lá fora, as pessoas vão e vem , a Bolsa de valores continua a comercializar suas ações e os políticos continuam com suas bobagens efêmeras, tão efêmeras como eles,e, nós, continuamos deitados esperando pela alta que não chega. Ah! Como tempo custa a passar e o quanto nos sentimos inúteis, um nada, como dizia a minha bisavó paterna, uma ameba do cocô do cavalo do bandido. Viu, como o nosso caminhar é somente nosso, pois, nem mesmo o seu pastor deixou de cobrar o seu dízimo fiel e necessário para a manutenção de suas obras sociais e da oferta ao seu Deus. Como se Deus precisasse de capital para perdoar alguém, se ele sequer se ofende, pois, quem se ofende é quem é mortal, vaidoso e orgulhoso em sua tola soberba. Então, faça como eu, extravase os seus sentimentos, sem medo de chocar ou de se chocar, no máximo vão lhe arrumar uma vaga em algum manicômio ou lhe crucificar como fizeram com Jesus, pois, o sistema não perdoa, ele é fatal e inquisidor. Mas, se tiver um pouco de sorte, talvez consiga um auxílio-doença no INSS como neurótico , já é um bom caminho, assim se alia ao sistema e se transforma em um transtornado obsessivo compulsivo controlado por remédios tarjas pretas e ainda remunerado .
Que tal ? É uma boa dica ? então aproveite e faça um bom uso dela, mas, não deixem que atinjam o seu calcanhar de Aquiles, pois, ele é só seu e o seu eixo central.


Menção Honrosa
Morbidez
Eduardo de Paula Nascimento
Franca/SP


Morbidez

Foi simples e rápido. Uma dor forte no abdômen e lá estava eu estirado no chão, morto. Depois a escuridão plena. Agora meus ombros se apertam contra o caixão. Será que o plano máster do convênio funerário oferecia um conforto melhor?
Alguém põe as mãos sobre as minhas. Sinto sua respiração ofegante. Será minha esposa? Não, ela deve estar preocupada demais com as “visitas”, verificando se há café nas garrafas. Uma lágrima cai em minha face deixando-me um sabor indescritível de despedida. Só poderia ser Lucimar!
Carregam-me agora para o cemitério. Quem estaria às alças do caixão? Na frente, com certeza, vai meu irmão de um lado e o compadre Américo do outro, grande companheiro de noitadas. Atrás, difícil adivinhar quem estaria do lado direito, todavia, do esquerdo, tenho certeza que era meu genro pois senti por duas ou três vezes que o caixão falseava daquele lado, vagabundo! Chegaram e logo lacraram o túmulo para que meu corpo apodrecesse em paz.
O silêncio agora era realmente pleno, a escuridão total. Aos poucos um vislumbre de luz começa a clarear a escuridão. Quero ser resgatado dessa sensação de morbidez. Quero ser recebido por meus entes queridos, me explicando como tudo ali “funciona”.
Aos poucos começo a enxergar. Vejo alguns vultos passando sobre minha cabeça. Seriam anjos? Pouco depois identifiquei-os. Eram corvos, dezenas deles que, assim que observaram que eu os avistei, voaram em minha direção, me atacando com garras e bicos e dilacerando minha pele. Subitamente cessaram o ataque e a impressão que tive é de que fugiam de algo.
Ainda ensangüentado vejo uma grande sombra, que toma aos poucos uma aparência quase humana, aproximando-se de mim e que, sem maiores cerimônias, saúda-me sarcasticamente:
“Bem vindo ao inferno”.

Poesias 2009

Poesia

1° Lugar
Aos que se foram
Eduardo de Paula Nascimento
Franca/SP


Aos que se foram
Éramos eu e a noite
Nenhuma estrela brilhava
Somente o vento em meu rosto
E o gosto de liberdade
As lápides no tempo dispersas
Gravadas por minhas lágrimas
A escuridão fez-se ópio
Que fez-me enxergar minha alma
Éramos eu e a noite
E enfim eu me enxergava

Garoa no rosto dormente
Sentida nos olhos fechados
Queria enxergar os detalhes
Entalhes em mim esculpidos
Por gentes que em mim passaram
Levando pequenos pedaços
Deixando grandes histórias
Recordações que jaziam
Lacradas em tumbas mórbidas
Éramos eu e a noite
E a morte me enxergava

Sereno, braços abertos
Uma névoa me abraçava
As trevas queriam levar-me
Rendia-se em mim uma parte
A outra se debatia
Minha alma queria os amigos
Mas o medo negou-me alforria
A covardia me despertava
Afastando a lâmina afiada
Éramos eu e a noite
E a vida enfim me enxergava


2° Lugar
Amor e Criação
Márcia Regina De Araujo Duarte
Rio de Janeiro/RJ


AMOR E CRIAÇÃO

O sol envia um raio
para nossas cabeças iluminar.
A chuva carrega energia
para com as nossas mãos curar.
E todo o resto se leva no coração:
A fé que nos guia
e transforma em amor
o que antes era solidão.

O rio corre estrondoso pelas pedras,
depois que céu manda a chuva forte,
inundando o vazio dos corações
que retomam a vida gerando ações.
Na Terra vão espalhando sementes,
transformando o deserto da mente
em um lindo jardim.

As flores crescem assim,
como luzes do éden brilhantes.
Esta sim é a Terra dos Homens!
Tomada por Anjos do Céu a viver,
que guardam os segredos divinos
da pureza do amor,
revelados em seus semblantes,
para quem quiser ver.

No jardim, a árvore do amor
cresce com devoção
e seus frutos
são doces, límpidos e saborosos.
São os frutos do amor
gerados pelas sementes do teu coração.



3° Lugar
Inda cá estás
Fernando Catelan
Mogi das Cruzes-SP


‘INDA CÁ ESTÁS


‘Inda cá estás, essa tua presença eu não atino,
que meus sonhos fizeste darem, sei, no nada
Se ora cobra-me a lida tanta destreza, o tino,
‘inda cá estás a atravancar minha caminhada!

‘Inda cá estás e eu a ansiar te visite a morte;
a morte te vindo, alenta, meus versos desveste,
que te postas no caminho me tirando o norte;
se contigo dei, a meu viver injusta te opuseste!

‘Inda cá estás, que meu peito ronda dissabor,
e tanto amei-te que reclamar-te-ia um apreço,
mas ‘inda cá obstas conciliar-me com o labor,
que venço as amarras se julgas que as mereço!

‘Inda cá estás, de minh’alma o rude entrave,
e nas veias bem ansiaria eu não mais teu dolo
Quiçá não tenha eu do olho despojado a trave,
quiçá ‘inda eu não o bastante por ti me imolo!

‘Inda cá estás tirando-me a alma num vômito,
se tanto por ti obrei naquele antanho distante,
ido ontem em que, chamado o peito indômito,
pôs-te, por fugaz que parecesse, menos errante!

‘Inda cá estás, e ora te peço que desapareças,
assim já tu mui importunas se cá estás ainda
Urge que tu mais seduzas, a outro te ofereças,
mas rogo uma vez mais ver-te, que és tão linda!


Menção Honrosa
Liberdade
Suzana Dulce Correa Fagundes
Rio de Janeiro/RJ

Liberdade


Liberdade,
esta escrava onde eu me acorrento,
rendida e valente.

Livre,
meu gesto,
tentativa ufana de agarrar,
frementemente,
este abraço livre
que eu tento,
igualmente,
acorrentar.

Liberta,
minha ação pelo tempo,
abarca espaços
nesta senzala onde resido.






Menção Honrosa
Meu Tempo
João Ximenes
Rio de Janeiro/RJ


Meu Tempo
O meu tempo eu não paro
Eu vivo dando corda para os minutos
E deixo os ponteiros girarem.

O tempo eu parto
Parto meu tempo
Meu tempo é meu parto.

De tempo em tempo,
Eu parto
De uma cidade para outra
Meu tempo eu não paro!

Os tempos estão difíceis
Não dá nem para economizar os segundos
Nem tempo me sobra para gastar
Dá-me um tempo, por favor!

Acordei hoje para ver o mar,
Mas o tempo está muito mal.
Parece até que piorou de febre
Com tanta chuva que já passou.

Este tempo não passa.
Não passa o tempo,
Não há passatempo
Eu não consigo passear.

Não consigo esquecer
E nem te esqueço mais
Porque até para esquecer
Eu preciso demais de tempo.


Ando pensando muito
Estou perdendo tempo
Então tempo, vem depressa
Ou então me deixa e vai demora
Nem chega perto da janela
Tenho que adiantar meu horário.

O tempo muda, ele vira e transforma,
O tempo virou uma ilha deserta
Desabitada de segundos
Que um dia afundou
E desapareceu no mar
Tudo isso num minuto
E tic-tac... Meu tempo acabou!

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

2010

2010 – Ano Internacional da Biodiversidade
Em 20 de dezembro de 2006, a Assembléia Geral das Nações Unidas declarou 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade (resolução 61/203). A Assembléia designou o secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica [Convention on Biological Diversity] como ponto focal para o Ano e convidou-o a cooperar com as outras agências do Sistema das Nações Unidas, com acordos multilaterais ambientais, com organizações internacionais e outros atores, visando chamar maior atenção internacional para a perda contínua da biodiversidade. A Assembléia Geral encorajou os Estados Membros e outros atores a tirar vantagem do Ano para aumentar a conscientização da importância da biodiversidade por meio de ações promocionais a níveis local, regional e internacional. Convidou também os Estados Membros a considerar o estabelecimentos de comissões nacionais para o Ano. Além disso, convidou Estados Membros e outras organizações internacionais relevantes a apoiarem atividades a serem organizadas por países em desenvolvimento, especialmente países menos desenvolvidos.

Resolution adopted by the General Assembly
[on the report of the Second Committee (A/61/422/Add.6)]
61/203.

International Year of Biodiversity, 2010
The General Assembly, Recalling chapter 15 of Agenda 21
1 on the conservation of biological diversity adopted by the United Nations Conference on Environment and Development, Recalling also the Convention on Biological Diversity,
2 which was ratified by one hundred and eighty-eight States and one regional economic integration organization, and the Cartagena Protocol on Biosafety to the Convention on Biological Diversity,
3 Recalling the commitment of the World Summit on Sustainable Development to a more effective and coherent implementation of the three objectives of the Convention, and the target to achieve by 2010 a significant reduction in the current rate of loss of biodiversity, Recalling also the Plan of Implementation of the World Summit on Sustainable Development (“Johannesburg Plan of Implementation”),
4 Recalling further the 2005 World Summit Outcome,
5 Recalling the need to expedite the implementation of the Global Initiative on Communication, Education and Public Awareness of the Convention on Biological Diversity, Concerned by the continued loss of biological diversity, and acknowledging that an unprecedented effort would be needed to achieve by 2010 a significant reduction in the rate of loss of biological diversity,

Resolución aprobada por la Asamblea General
[sobre la base del informe de la Segunda Comisión (A/61/422/Add.6)]
61/203.

Año Internacional de la Diversidad Biológica, 2010
La Asamblea General, Recordando el capítulo 15 del Programa 21

1, relativo a la conservación de La diversidad biológica, aprobado por la Conferencia de las Naciones Unidas sobre El Medio Ambiente y el Desarrollo, Recordando también el Convenio sobre la Diversidad Biológica
2, ratificado por ciento ochenta y ocho Estados y una organización de integración econômica regional, y el Protocolo de Cartagena sobre Seguridad de la Biotecnología Del Convenio sobre la Diversidad Biológica
3, Recordando el compromiso asumido en la Cumbre Mundial sobre El Desarrollo Sostenible de aplicar de modo más eficaz y coherente los tres objetivos del Convenio, y de lograr para el año 2010 una reducción significativa del ritmo actual de pérdida de la diversidad biológica, Recordando también el Plan de Aplicación de las Decisiones de la Cumbre Mundial sobre el Desarrollo Sostenible (“Plan de Aplicación de las Decisiones de Johannesburgo”)
4, Recordando además el Documento Final de la Cumbre Mundial 2005
5, Recordando la necesidad de acelerar la aplicación de la Iniciativa Mundial sobre comunicaciones, educación y conciencia pública del Convenio sobre la Diversidad Biológica,

Résolution adoptée par l’Assemblée générale
[sur la base du rapport de la Deuxième Commission (A/61/422/Add.6)]
61/203.

2010, Année internationale de la biodiversité
L’Assemblée générale, Rappelant le chapitre 15 du programme Action 21

1, Sur la conservation de La diversité biologique, adopté par la Conférence des Nations Unies sur l’environnement et le développement, Rappelant également la Convention sur la diversité biologique
2, Qui a été ratifiée par cent quatre-vingt-huit États et une organisation d’intégration économique régionale, et le Protocole de Carthagena sur la prévention des risques biotechnologiques relatif à la Convention sur la diversité biologique
3, Rappelant l’engagement souscrit lors du Sommet mondial pour le développement durable en faveur d’une réalisation plus efficace et plus cohérente des trois objectifs de la Convention et d’un ralentissement sensible d’ici à 2010 du rythme actuel de l’appauvrissement de la diversité biologique, Rappelant également le Plan de mise en oeuvre du Sommet mondial pour le développement durable (« Plan de mise en oeuvre de Johannesburg »)
4, Rappelant en outre le Document final du Sommet mondial de 2005
5, Rappelant la nécessité d’accélérer la mise en oeuvre de l’Initiative mondiale
sur la communication, l’éducation et la sensibilisation du public à la Convention sur
la diversité biologique, Préoccupée par l’appauvrissement continu de la diversité biologique et
consciente qu’un effort sans précédent sera nécessaire pour en ralentir sensiblement
le rythme d’ici à 2010,


Extraído do site da UNESCO
http://www.brasilia.unesco.org/unesco/premios/2010-2013-ano-internacional-da-biodiversidade